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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Cake - I Will Survive (Live)

I will survive - Cake

The Eagles - Hotel California - Concert Live Acoustic

Joe Cocker Live in 1969

Pink Floyd - Wish You Were Here - Full Album


AO SOL

Naufragas na noite
em pompas de luz e imensidade
todo germe palpita na semente
e da nova manhã ressurges
clara divindade

nua a carnação sob o manto escarlate.

- Dora Ferreira da Silva,
 em "Andanças".

Fonte: http://amalia2112.blogspot.com.br/





















AQUI ONDE SE ESPERA

Aqui onde se espera
- Sossego, só sossego -
Isso que outrora era,

Aqui onde, dormindo,
-Sossego, só sossego-
Se sente a noite vindo,

E nada importaria
-Sossego, só sossego-
Que fosse antes o dia,

Aqui, aqui estarei
-Sossego, só sossego -
Como no exílio um rei, 

Gozando da ventura
- Sossego, só sossego -
De não ter a amargura

De reinar, mas guardando
- Sossego, só sossego -
O nome venerando...

Que mais quer quem descansa
- Sossego, só sossego -
Da dor e da esperança,

Que ter a negação
- Sossego, só sossego -
De todo o coração ?

Fernando Pessoa












PEDRA NEGRA SOBRE PEDRA BRANCA

Morrerei em Paris com aguaceiros
num dia de que já tenho a lembrança.
Morrerei em Paris - daqui não saio -
numa quinta-feira, como hoje, de outono.

Quinta-feira será, pois hoje, quinta-feira,
em que estes versos proso, dei os úmeros
à pouca sorte, e nunca como hoje
voltei, com todo o meu caminho, a ver-me só.

Morreu César Vallejo, espancavam-no
todos sem que lhes fizesse nada;
davam-lhe forte com um pau e forte

com uma corda também; são testemunhos
as quintas-feiras e os ossos úmeros,
a solidão, os caminhos, a chuva...

César Vallejo
















OS ANÉIS FATIGADOS

Há ânsias de voltar, de amar, de não ausentar-se,
e há ânsias de morrer, combatido por duas
águas unidas que jamais hão-de istmar-se.

Há ânsias de um beijo enorme que amortalhe a Vida,
que acaba na áfrica de uma agonia ardente,
suicida!

Há ânsias de... não ter ânsias, Senhor,
a ti aponto-te com o dedo deicida:
há ânsias de não ter tido coração.

A primavera volta, volta e partirá. E Deus,
curvado em tempo, repete-se, e passa, passa
carregando a espinha dorsal do Universo.

Quando as têmporas tocam seu lúgubre tambor,
quando me dói o sonho gravado num punhal,
há ânsias de ficar plantado neste verso!

César Vallejo

Brother Brother - Carole King

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Suzanne Vega - Luka

Natalie Imbruglia - Torn (Official Video)

4 Non Blondes - What's Up



CLUBE DOS 27

Clube dos 27 , também às vezes conhecido como o Para Sempre Clube 27 ou Clube 27 , é um grupo de músicos do Rock ou blues influentes que morreram aos 27 anos de idade, Os 27 anos são, no mínimo, míticos dentro do universo musical. Alguns dos grandes artistas que o mundo já conheceu coincidentemente vieram a falecer com esta idade. Além do talento inquestionável e da época da vida em que morreram, um outro fator é comum a estas estrelas: a personalidade polêmica e, num dos casos, a virgindade. Este é composto por Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Kurt Cobain e Amy Winehouse.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal

Tracy Chapman crossroad

Fast car -Tracy Chapman

O HOMEM QUE AMAVA OS CACHORROS - UMA JORNADA PELA HISTÓRIA POLÍTICA DO SÉCULO XX
O título do livro faz referência ao trecho em que o personagem e narrador Iván -
um escritor desiludido que vive em Cuba, país que passa por dificuldades
econômicas com o fim da ajuda da União Soviética, e às voltas com seus próprios
dramas pessoais - em um de seus passeios pela praia, chama sua atenção um
homem misterioso que costuma passear com seus cachorros da raça borzói, uma
raça de galgos russos que Iván conhecia bem por trabalhar em uma clínica
veterinária. Acaba por isto travando uma certa amizade com esse homem.


Um ótimo romance histórico que mistura ficção e realidade, considerado o
melhor de 2013, ano de seu lançamento. O livro narra os acontecimentos que
culminaram com o assassinato de Leon Trotsky à mando de Josef Stálin,
secretário-geral do Comité Central do Partido Comunista da URSS, relatando ao
mesmo tempo a história de Trotsky e de seu assassino, o espanhol Ramón
Mercader, um militante recrutado pela NKVD da antiga União Soviética, mais
exatamente na tradução para o português, como Comissariado do Povo para
Assuntos Internos. É possível no romance observar, ou melhor, confirmar o
caráter personalista e tirano de Stálin.

Além de expor a complexidade humana dos personagens, o livro nos apresenta
um retrato de época que torna possível o entendimento acerca de eventos
políticos que marcaram o século, e como certos acontecimentos podem levar
à outros, trágicos ou não. Mas seu grande mérito é a reflexão sobre uma geração,
que sem se dar conta naquele momento da história, teve sua alma aniquilada e
sua individualidade massacrada por uma utopia desvirtuada pelos donos do poder.



Guerra Civil Espanhola

O cenário político mundial naqueles tempos era bastante conturbado, o mundo
havia recém saído da primeira grande guerra e a Alemanha sofrera uma derrota
humilhante que a deixara com a economia em frangalhos, o que estava facilitando
a ascensão de Adolf Hitler. Hitler então fingia ser aliado dos comunistas, e Trotsky
via com preocupação a subida dele ao poder, sabia no que isto iria dar. Seus
temores se confirmaram quando mais tarde os comunistas alemães passaram
também a ser alvos da perseguição nazista. As democracias ocidentais pareciam
desprezar a capacidade retórica de Hitler e suas doentias ambições expansionistas,
e foram omissas ao não intervirem na ocupação da Tchecoslováquia pelos nazistas.
Mais tarde, Stálin e Hitler assinariam um pacto de não agressão com pontos
obscuros, acordo que Hitler descumpriu ao invadir de surpresa a União Soviética
em 1941. A Espanha passava por uma violenta guerra civil, fortemente dividida
entre forças nacionalistas e fascistas, e a base do governo republicano espanhol
representado pelos sindicatos, partidos de esquerda e partidários da democracia.
Naquela época, após a vitória da revolução bolchevique na Rússia, havia no mundo
uma rigorosa divisão entre direita e esquerda, mas em nenhum outro lugar como
na Espanha a própria esquerda estava tão fragmentada.

Depois da revolução de 1917, após a eliminação da autocracia e do governo
provisório, a Rússia passou por um período de reorganização social e política, mas
com a morte de Lênin em 1924 o partido Comunista ficou dividido, Josef Stálin
tornou-se o novo secretário-geral, havia conseguido com habilidade e artimanha
que Trotsky fosse expulso do Partido, e governaria a União soviética por 30 anos.
O principal ponto divergente entre eles era sobre os rumos que a revolução deveria
tomar a partir de então. Enquanto Trotsky tinha pretensões de estendê-la por toda
a Europa e criticava a burocracia stalinista, Stálin achava que deveria permanecer
limitada ao bloco de países soviéticos. Trotsky passara então de grande condutor
da revolução de 17 a um contra-revolucionário traidor, chegando ao extremo de
ser considerado um aliado dos fascistas. Um inimigo útil para o jogo político de
Stálin, enquanto fosse de seu interesse. O próprio Trotsky já no exílio, reconhece
que havia subestimado a capacidade de Stalin, um militante sem muita cultura e
um tanto grosseiro, de manipular o Partido. Trotsky em seus pensamentos lembra
que devia ter desconfiado daqueles “olhos de réptil”, que tão logo assumiu o poder
passou a reprimir, perseguir e eliminar seus oponentes ou quem ele assim
considerasse, fossem antigos militantes, intelectuais, artistas, ou, trabalhadores,
aqueles mesmos em nome de quem os comunistas diziam ter feito a revolução.
A esquerda em um mundo então dividido entre o fascismo de Hitler e seus aliados
e a suposta salvação pelo comunismo stalinista, estava desorientada, e uma parte
dela acreditava que o regime de governo de Stálin poderia ser o melhor para todos.
Mas na verdade o mundo estava entre dois regimes totalitários protagonizados por
dois tiranos manipuladores, responsáveis pelos maiores crimes contra a
humanidade no século 20, com a única diferença que no caso de Hitler o genocídio
ocorreu durante a guerra e Stálin o praticou em tempos de paz. Para Trotsky o
comunismo começava a cavar sua própria cova.





REVOLUÇÃO RUSSA

Trotsky em suas reflexões no exílio, em flashes de lucidez ou desânimo, chegou a
se perguntar se teria valido a pena tantas mortes, todo sofrimento e sacrifício até
mesmo de sua família em nome de uma causa, mas procurava manter o otimismo
com a firme convicção de que tinha um compromisso com a revolução. Mas
estava cada vez mais isolado.

Em paralelo à narrativa sobre a vida de Trotsky no exílio, surge o personagem de
Ramón Mercader, um jovem revolucionário espanhol cuja as ideias sofriam grande
influência da guerra civil em seu país onde participava como combatente, e de sua
mãe controladora, também uma revolucionária que acreditava que antes da
revolução comunista era preciso ganhar a guerra na Espanha, portanto não
podiam prescindir da ajuda de Moscou nem de servir ao regime de Stálin para o
que fosse necessário. Mercader influenciado por sua mãe, porém muito mais por
uma jovem revolucionária radical por quem era apaixonado e queria impressionar,
acabou aceitando, apesar de certa hesitação no início, uma importante missão que
ele ainda nem sabia qual era. Mas fora avisado que essa missão iria mudar
completamente sua vida. A fé cega em uma ideologia e em um líder que dela
se apropria, tenha essa ideologia a forma que tiver, pode transformar uma pessoa
e fazê-la cometer todo tipo de perversidades acreditando estar no caminho certo.

Fonte: http://lounge.obviousmag.org/

Paul Simon and Willie Nelson - Homeward Bound



















Praça da República dos meus sonhos

A estátua de Álvares de Azevedo é devorada com paciência pela paisagem de morfina
a praça leva pontes aplicadas no centro de seu corpo e crianças brincando na tarde de esterco
Praça da República dos meus sonhos
onde tudo se faz febre e pombas crucificadas
onde beatificados vêm agitar as massas
onde Garcia Lorca espera seu dentista
onde conquistamos a imensa desolação dos dias mais doces (...)

Roberto Piva
























A ARTE DE TRANSGREDIR (uma introdução a Roberto Piva)
João Silvério Trevisan

1.
A história pessoal do poeta Roberto Piva começa e gira em torno da cidade de São Paulo. Ele cresceu e formou-se entre a capital e as antigas fazendas do pai, no interior do Estado de São Paulo. Seus primeiros poemas foram publicados em 1961, quando tinha 23 anos. Nessa mesma época, integrou a famosa Antologia dos Novíssimos, de Massao Ohno, na qual se lançaram vários poetas brasileiros iniciantes, que depois desenvolveram uma obra poética de importância. Piva formou-se em sociologia. Sobreviveu em grande parte como professor de estudos sociais e história. Em suas aulas aos adolescentes do segundo grau, costumava trabalhar as matérias a partir de poemas que os fazia ler e interpretar. Foi um professor de muito sucesso, com rara vocação como pedagogo. Nos anos de 1970, tornou-se produtor de shows de rock. Piva mora em São Paulo, cidade que lhe parece apocalíptica, exemplo do que não deve ser feito contra o meio ambiente, mas que forneceu todo o pano de fundo para sua obra poética. Tem medo de avião.
Por isso, raramente se distanciou  demais da capital, de onde foge sempre que pode, de ônibus ou carro, sobretudo para o litoral sul do estado de São Paulo,  refugiando-se em casa de amigos na Ilha Comprida ou em pensões baratas de Iguape. É lá que realiza seus rituais xamânicos e entra em contato com seu animal xamânico, o gavião.

2.
A genealogia poética de Roberto Piva apresenta raízes e inclui influências muito raras na literatura brasileira, formando uma mistura-fina que é única por sua erudição, mas também por sua transgressão. Começa com Dante Alighieri. Ainda na década de 60, por três anos Piva aprofundou-se nos estudos da Divina Comédia, orientado por Eduardo Bizzarri, adido cultural do Consulado da Itália em São Paulo. Esse contato com Dante foi como seu imprinting poético-filosófico: marcou para sempre sua visão de mundo, sua política e sua poesia.
Ao conhecer os poetas metafísicos ingleses, sobretudo William Blake, Piva começou a aprofundar sua experiência mais direta com o sagrado e a vida interior.
A entrada em cena de Hölderlin e dos poetas expressionistas alemães Gottfried Benn e Georg Trakl temperaram essa experiência com uma ponta de pessimismo, que deixou de ser circunstancial quando, ainda na década de 60, Roberto Piva teve contato com a obra de um filósofo praticamente desconhecido,  no Brasil do período: Friedrich Nietzsche.
À experiência juvenil de Piva agregou-se a contundência desse profeta pessimista e decifrador da alma moderna. Mas nem só de espírito, nem só de intelecto fez-se o  aprendizado juvenil de Roberto Piva, que cedo descobriu Rimbaud e Lautréamont, recebendo a influência desses dois poetas visionários, que extrapolam os limites da expressão racional e das escolas literárias.
A partir daí iniciou-se em sua vida o cultivo do rimbaudiano “desregramento de todos os sentidos” para se chegar à poesia. Das vanguardas do começo do século 20, Roberto Piva absorveu lições do surrealismo, na vertente francesa de André Breton, Antonin Artaud e René Crevel. É um dos três únicos poetas brasileiros a constar no famoso Dicionário Geral do Surrealismo, publicado na França. A partir de Artaud, Piva incorporou a idéia de que existe um compromisso absoluto entre poesia e vida.
O dito artaudiano “para conhecer minha obra, leia-se minha vida” teve em Piva a contrapartida: “só acredito em  poeta experimental que tem vida experimental”. Também é flagrante em sua poesia a influência dos futuristas italianos (com seu culto à fragmentação moderna), acrescida de algumas expressões musicais da contemporaneidade do pós-guerra, através da onipresente marca do jazz e da bossa nova, duas fidelíssimas paixões de Roberto Piva.  Mas há mais duas fortes presenças contemporâneas em sua poética. Uma é a beat generation americana, da qual Piva não só absorveu a estilística fragmentada e a temática que aproxima o  contemporâneo do arcaico, mas através da qual  também sedimentou a orientação basicamente transgressiva dos costumes do seu tempo.
Na década de 70, a transgressão foi reforçada pela descoberta do outsider Pier Paolo Pasolini, protótipo do intelectual-profeta que caminha nas frinchas do paradoxo. Dos poetas brasileiros, essa genealogia poética agregou as figuras de Murilo Mendes  - com seu surrealismo intenso, expontâneo e sensorial, ao contrário dos franceses intelectualizados - e Jorge de Lima, sobretudo aquele barroco, visionário e atormentado de “Invenção de Orfeu”. Os elementos finais da construção  poética de Roberto Piva evidenciam uma substancial ligação com o aspecto mágico.
Suas constantes caminhadas xamânicas pela represa de Mairiporã  e serra da Cantareira, ambas nos arredores de São Paulo, além de Jarinu, no interior do estado, selaram sua ligação sagrada com a natureza.
Essa sacralidade é, para Piva, a única salvação possível ao mundo moderno, que colocou a destruição da natureza como parte do seu projeto consumista. No quadro da recuperação do sagrado e do mágico, enquanto forças da natureza, Piva passou a estudar e praticar o xamanismo. Para aprender o culto ao primitivo e às forças da natureza, foi buscar elementos não apenas em teóricos como Mircea Eliade, mas sobretudo nas culturas indígenas brasileiras e na prática do candomblé. Ele não só cultua seus orixás (Xangô,  Yemanjá e Oxum) mas também toca tambor para invocar seu animal xamânico, o gavião.
Paralelamente a essa trajetória em direção ao sagrado, Piva agregou dois elementos ligados à civilização grega. Um: a ingestão de drogas alucinógenas e bebidas libatórias, como formas de atualizar a tradição dionisíaca e a transgressão sagrada do paganismo. Dois: o culto a uma erótica homossexual, resgatando para a modernidade o amor grego, como um componente de transgressão do desejo. 
Tome-se, como referência, seu "Poema XIV", de 20 Poemas com Brócoli, dedicado ao Carlinhos:

"vou moer teu cérebro. vou retalhar tuas
                  coxas imberbes & brancas.
         vou dilapidar a riqueza de tua
                  adolescência. vou queimar teus
                  olhos com ferro em brasa.
              vou incinerar teu coração de carne &
                            de tuas cinzas vou fabricar a
                            substância enlouquecida das
                                     cartas de amor."  (20 Poemas com Brócoli, 1981)

3.
Os traços mais presentes na obra de Roberto Piva giram em torno dessas influências ou ao menos partem delas. Trata-se, antes de tudo, de uma poética de transgressão: na abordagem, na temática e na quebra de fronteiras entre os contrários. Portanto, uma transgressão que desemboca no paradoxo - por exemplo, entre carne & espírito, vida & obra, contemporâneo & arcaico. Sua expressão poética  persegue o rastilho da escrita automática de extração surrealista: recuperar para a poesia os estados primitivos do sonho e da loucura. 
No caso de Roberto Piva, talvez fosse mais adequado falar em escrita delirante. Essa prática levou, também no caso do poeta brasileiro, à utilização do método da livre associação de idéias, a partir da crença na importância poética do inconsciente. Resultado: metáforas explosivas que Roberto Piva articula com estonteante propriedade. Do seu poema  “A vida me carrega no ar como um gigantesco abutre”, veja-se o final delirante:
"minha dor é um anjo ferido
     de morte
você é um pequeno deus verde
     & rigoroso
horários de morte cidades cemitérios
     a morte é a ordem do dia
a noite vem raptar o que
     sobra de um soluço". (Coxas, 1979)
Ou, no início do seu "Poema VII" de 20 Poemas com brócoli, note-se a homenagem embutida numa metáfora explosiva, que mistura elementos de sensualidade contraditória:
    "mestre Murilo Mendes tua poesia são
os sapatos de abóboras que eu calço
nestes dias de verão." (20 Poemas com brócoli, 1981)
Outro traço marcante na obra de Roberto Piva é o total desmantelamento da versificação métrica, influência modernista que, no seu caso, caotiza-se, na tentativa de transpor para a poética escrita o ritmo sincopado do jazz e a respiração do músico de jazz.
A  rítmica entrecortada, a batida imprevista e a respiração irregular, com notas se sucedendo lânguidas, são traduzidas inclusive numa distribuição desordenada dos versos o espaço da página. Veja-se como o poema dança, neste seu "O Robot Pederasta":
"Não vale
                  sair
com asas
                  onde
o cra          cra          cra          cra          cra          cra          cra
      cra          cra          cra             cra          cra              cra 
se amassava
              nas
                  velas apagadas
                            quem
                                 quer
                                     o telhado
                            de lágrimas?
                  beberei veneno
                            contra
                                     teu temperamento
                          alegria que se
                                     espera
                        raio X de gente que
                            desce do alto
                  porta acesa
              olhar inchado no escuro
Signorine, la danza della Morte è servita
                            algumas ficaram
                                     LOUCAS" (Piazzas, 1964)                       
Depois, veio a influência do cinema. Trata-se de uma obra pontuada por cortes cinematográficos que remetem ao cinema experimental, com passagens abruptas de espaço, tempo e imagética. Confira-se neste “Ganimedes 76”:
"Teu sorriso
olhinhos como margaridas negras
meu amor navegando na tarde
batidas de pêssego refletindo em teus olhinhos de
          fuligem
cabelos ouriçados como um pequeno deus de um salão
          rococó
força de um corpo frágil como âncoras
gostei de você eu também
amanhã então às 7
amanhã às 7
tudo começa agora num ritual lento & cercados de
         gardênias de pano
Teu olhar maluco atravessa os relógios as fontes a tarde
         de São Paulo como um desejo espetacular tão
         dopado de coragem
marfim de teu sorriso nascosto fra orizzonti perduti
assim te quero: anjo ardente no abraço da Paisagem" (Abra os olhos e diga Ah!, 1976)
No geral, temos uma temática muito diversificada, que parte do urbano e quotidiano, passando pelo erótico e carnal, até atingir o metafísico e o sagrado. Confira-se neste trecho do seu "Beija-flor badulaque":
"nus & feéricos/ olho no gatilho meia-lua/ nado esta
manhã a favor da correnteza/ à deriva/ no miolo do
furacão/ eu era uma Sibila entre os gonzos da lingua-
gem/ Samba-Vírus/ exus nanicos carregando cabaças
de pedra da lua no portal do meu ouvido/ cruzamento
das Avenidas Assassinato & 69/ garoto-pombinha no
balcão da lanchonete/ esperando o pernilongo da Mor-
te/ estrelas rachadas gotejam leite dos deuses/ é com  
este que eu vou sambar até a Pradaria -Kamikase/ no
trecho Belém-Brasília da Teogonia" (Quizumba, 1983) 

4.
O resultado geral é uma expressão poética fragmentada, que resume exemplarmente as soluções expressivas, as inquietações e encruzilhadas da contemporaneidade. Assim, Roberto Piva inaugurou traços singulares no  contexto poético brasileiro, que fazem de sua obra uma das mais originais e inovadoras dentro da poesia brasileira contemporânea. Como sempre esteve eqüidistante das escolas conhecidas, pode-se dizer que ele é sua própria escola.
Roberto Piva persegue e vive o ideal do poeta-profeta, como menciona em seu "Poema Vertigem":
"Eu sou uma metralhadora em
         estado de Graça
Eu sou a pomba-gira do Absoluto".
No espelho da poesia, sua imagem é daquele que reflete, de modo nem sempre aceitável, os paradoxos da contemporaneidade, através dos seus próprios. Define-se a si mesmo como um anarquista de direita. E, muito  contemporaneamente, ama as corridas de carros, ainda que criticando o culto à tecnologia. Com suas transgressões na vida e na poesia - que formam um só organismo - Piva veio para confundir.
Por ser incômodo, recebe mais pedras do que reconhecimento dos seus contemporâneos. Para não falar da conspiração de silêncio da qual sua obra poética tem sido vítima.
Como gente demais no Brasil não o conhece, encerro com mais um exemplo da sua contundência.  Saboreiem este festival de musicalidade, ritmo e delírio expressivo em seu
"Piazza V", um dos poemas mais emblemáticos da sua obra emblemática:
"Oswald Spengler  tem uma
         porta no seu tornozelo
                  & nuvens através dele
                            limpando a pele
         que projeta
                            um velho cachecol marrom
                                               em seu olho
eu penso
                            pelos seus
                                            líquidos compassos de sátiro
até
         um cenário de músculos
                                     impedido de esmagar
                                                        o carvão de
                                                                           vidro verde
                            que aquece
                                               a estrela nua de
                                                                           anteontem
Oswald Spengler tem uma porta no seu tornozelo
                                     batendo
                                               até
                                          altas horas" (Piazzas, 1964) 

João Silvério Trevisan (Brasil, 1944). Ficcionista, ensaísta e tradutor. Autor de livros como Em Nome do Desejo (romance, 1983), Devassos no Paraíso (ensaio histórico-antropológico, 1986), eSeis Balas num Buraco Só: A Crise do Masculino (ensaio, 1998). Palestra proferida na Biblioteca Mário de Andrade, 24/04/96, em São Paulo. Posteriormente publicada em Pedaço de mim (Ed. Record, 2002). Foto de Roberto Piva: Mario Rui Feliciani. Página ilustrada com obras da artista Mirta Kupferminc (Argentina).

Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/
























ROBERTO PIVA EM CINCO POEMAS

Outubro 19, 2011

paranoia (1963) foi um meteoro na poesia brasileira. eu só posso imaginar a cara dos leitores (enquanto concretos paulistas e cariocas digladiavam pela ponta da vanguarda, a geração de 45 rimava, cabral concentrava e drummond não dava a mínima, ou até dava, mas do seu jeito reservado) diante da poesia de roberto piva (1937-2010). aquilo só podia vir do céu – do céu material, é claro, que pro piva deus (o deus dos cristãos, ao menos), tava fora da parada.
era uma mistura de lautréamont com ácido lisérgico, numa levada ginsberg, pelo submundo noturno de são paulo. perto do piva, os experimentos surrealistas de murilo mendes e jorge de lima pareciam bossa nova encarando ornette coleman. talvez por isso se leia quase que só o paranoia, pela sua radicalidade e singulraidade na poesia brasileira. pra aumentar um pouco o repertório da sua poesia é que (munido dos 3 volumes da sua poesia publicados pela editora globo, organizados por alcir pécora, que teve a indecência de nos conceder essa alegria) decidi mostra o rabo – louco – do meteoro. 5 poemas, não necessariamente os melhores, os mais importantes – 5 poemas da minha arbitrariedade (movido pelo fato de ficarem na minha memória), mas que podem, de algum modo fazer o seguinte desenho:
partir do delírio imagético do paranoia (com sua verve demolidora, cf. o caráter destrutivo, de walter benjamin), passar pelas alucinações sintáticas de piazzas (1964) e depois desaguar nos poemas que apresentam uma maior discursividade e positividade: ou seja, uma ética apresentada para além do caráter destrutivo, que estará ligada a um esoterismo sui generis, a imagéticas do xamanismo e de uma ecologia que em grande parte antecipa as discussões contemporâneas. assim, pois, o 5, em ordem cronológica.

Visão 1961

as mentes ficaram sonhando penduradas nos esqueletos de fósforo
 invocando as coxas do primeiro amor brilhando como uma
 flor de saliva
o frio dos lábios verdes deixou uma marca azul-clara debaixo do pálido
 maxilar ainda desesperadamente fechado sobre o seu mágico vazio
marchas nômades através da vida noturna fazendo desaparecer o perfume
 das velas e dos violinos que brota dos túmulos sob as nuvens de
 chuva
fagulha de lua partida precipitava nos becos frenéticos onde
 cafetinas magras ajoelhadas no tapete tocando o trombone de vidro
 da Loucura repartiam lascas de hóstias invisíveis
a náusea circulava nas galerias entre borboletas adiposas e
 lábios de menina febril colados na vitrina onde almas coloridas
 tinham 10% de desconto enquanto costureiros arrancavam os ovários
 dos manequins
minhas alucinações pendiam fora da alma protegidas por caixas de matéria
 plástica eriçando o pelo através das ruas iluminadas e nos arrabaldes
 de lábios apodrecidos
na solidão de um comboio de maconha Mário de Andrade surge como um
 Lótus colando sua boca no meu ouvido fitando as estrelas e o céu
 que renascem nas caminhadas
noite profunda de cinemas iluminados e lâmpada azul da alma desarticulando
 aos trambolhões pelas esquinas onde conheci os estranhos
 visionários da Beleza
já é quinta-feira na avenida Rio Branco onde um enxame de Harpias
 vacilava com cabelos presos nos luminosos e minha imaginação
 gritava no perpétuo impulso dos corpos encerrados pela
 Noite
os banqueiros mandam aos comissários lindas caixas azuis de excrementos
 secos enquanto um milhão de anjos em cólera gritam nas assembleias
 de cinza OH cidade de lábios tristes e trêmulos onde encontrar
 asilo na tua face?
no espaço de uma Tarde os moluscos engoliram suas mãos
 em sua vida de Camomila nas vielas onde meninos dão o cu
 e jogam malha e os papagaios morrem de Tédio nas cozinhas
 engorduradas
a Bolsa de Valores e os Fonógrafos pintaram seus lábios com urtigas
 sob o chapéu de prata do ditador Tacanho e o ferro e a borracha
 verteram monstros inconcebíveis
ao sudoeste do teu sonho uma dúzia de anjos de pijama urinam com
 transporte e em silêncio nos telefones nas portas nos capachos
 das Catedrais sem Deus
imensos telegramas moribundos trocam entre si abraços e condolências
 pendurando nos cabides de vento das maternidades um batalhão
 de novos idiotas
os professores são máquinas de fezes conquistadas pelo Tempo invocando
 em jejum de Vida as trombetas de fogo do Apocalipse
afã irrisório de ossadas inchadas pela chuva e bomba H árvore
 branca coberta de anjos e loucos adiando seus frutos
 até o século futuro
meus êxtases não admitindo mais o calor das mãos e o brilho
 platônico dos postes da rua Aurora comichando nas omoplatas
 irreais do meu Delírio
arte culinária ensinada nos apopléticos vagões da Seriedade por
 quinze mil perdidas almas sem rosto destrinçando barrigas
 adolescentes numa Apoteose de intestinos
porres acabando lentamente nas alamedas de mendigos perdidos esperando
 a sangria diurna de olhos fundos e neblina enrolada na voz
 exaurida na distância
cus de granito destruídos com estardalhaço nos subúrbios demoníacos pelo
 cometa sem fé meditando beatamente nos púlpitos agonizantes
minhas tristezas quilometradas pela sensível persiana semi-aberta da
 Pureza Estagnada e gargarejo de amêndoas emocionante nas palavras
 cruzadas no olhar
as névoas enganadoras das maravilhas consumidas sobre o arco-íris
 de Orfeu amortalhado despejavam um milhão de crianças atrás das
 portas sofrendo
nos espelhos meninas desarticuladas pelos mitos recém-nascidos vagabundeavam
 acompanhadas pelas pombas a serem fuziladas pelo veneno
 da noite no coração seco do amor solar
meu pequeno Dostoievski no último corrimão do ciclone de almofadas
 furadas derrama sua cabeça e sua barba como um enxoval noturno
 estende até o Mar
no exílio onde padeço angústia os muros invadem minha memória
 atirada no Abismo e meus olhos meus manuscritos meus amores
 pulam no Caos

(paranoia, 1963)

Piazza I

       Uma tarde
                é suficiente para ficar louco
ou ir ao Museu ver Bosch
              uma tarde de inverno
                                 sobre um grave pátio
          onde garòfani    milk-shake & Claude
                          obcecado com anjos
             ou vastos motores que giram com
                             uma graça seráfica
                tocar o banjo da Lembrança
sem o Amor encontrado     provado    sonhado
                & longos viveiros municipais
            sem procurar compreender
                     imaginar
              a medula sem olhos
         ou pássaros virgens
                  aconteceu que eu revi
       a simples torre mortal do Sonho
                         não com dedos reais & cilíndricos
Du Barry Byron Marquesa de Santos
   Swift Jarry com barulho
         de sinos nas minhas noites de bárbaro
   os carros de fogo
               os trapézios de mercúrio
       suas mãos escrevendo & pescando
                    ninfas escatológicas
pequenos canhoes do sangue & os grandes olhos abertos
              para algum milagre da Sorte

(piazzas, 1964)


         eu sou o jet-set do amor maldito
      DENTRO DA NOITE & SUAS CÓLICAS ILUMINADAS
os papagaios da morte com Aristóteles na proa do trovão
          DISPOSIÇÃO DE IR A DERIVA NOS DADOS DO AMOR
              espinafre pela manhã & queijo em pasta
                  almas-esportivas com flores entre os dentes
     minha laranja se abrindo como uma porta
         TUA VOZ Ê ETERNA eu vejo a mão cinzenta rasgar
     a parede do mundo
         ESTAMOS DEFINITIVAMENTE NA VIDA

(abra o olhos e diga ah!, 1975)


XX

vocês estão cegos graças ao temor
olhares mortos sugando-me o sangue
não serei vossa sobremesa nesta curta
            temporada no inferno
eu quero que seus rostos cantem
eu quero que seus corações explodam em
            línguas de fogo
meu silêncio é um galope de búfalos
meu amor cometa nômade de
            riso indomável
façam seus orifícios cantarem o hino
            à estrela da manhã
torres & cabanas onde foi flechado o
            arco-íris
eu abandonei o passado a esperança
            a memória o vazio da década de 70
sou um navio lançado ao
            alto-mar das futuras
            combinações

(20 poemas com brócoli, 1981)

Poema vertigem

Eu sou a viagem de ácido
  nos barcos da noite
Eu sou o garoto que se masturba
  na montanha
Eu sou o tecno pagão
Eu sou o Reich, Ferenczi & Jung
Eu sou o Eterno Retorno
Eu sou o espaço cibernético
Eu sou a floresta virgem
  das garotas convulsivas
Eu sou o disco-voador tatuado
Eu sou o garoto e a garota
  Casa Grande & Senzala
Eu sou a orgia com o
  garoto loiro e sua namorada
  de vagina colorida
  (ele vestia a calcinha dela
  & dançava feito Shiva
  no meu corpo)
Eu sou o nômade de Orgônio
Eu sou a Ilha de Veludo
Eu sou a Invenção de Orfeu
Eu sou os olhos pescadores
Eu sou o Tambor do Xamã
  (& o Xamã coberto
  de peles e andrógino)
Eu sou o beijo de Urânio
  de Al Capone
Eu sou uma metralhadora em
  estado de graça
Eu sou a pomba-gira do Absoluto


(ciclones, 1997)

Fonte: https://viagemdecabeceira.wordpress.com/