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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Dor elegante - Paulo Leminski


















Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

domingo, 25 de agosto de 2013

Irmandade - Octavio Paz





















Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.


(Trad. Antônio Moura)

sábado, 24 de agosto de 2013

O Rio (fragmento) - Octavio Paz




















A metade do poema sobressalta-me sempre um grande 
desamparo, tudo me abandona,
não há nada a meu lado, nem sequer esses olhos que por detrás
     contemplam o que escrevo,
não há atrás nem adiante, a pena se rebela, não há começo nem
     fim, tampouco muro que saltar,
é uma esplanada deserta o poema, o dito não está dito, o não dito 
     é indizível,
torres, terraços devastados, babilônias, um mar de sal negro, um
     reino cego,
                      Não, 
deter-me, calar, fechar os olhos até que brote de minhas pálpebras
     uma espiga, um repuxo de sóis,
e o alfabeto ondule longamente sob o vento do sonho e a maré suba 
     em onda e a onda rompa o dique,
esperar até que o papel se cubra de astros e seja o poema um
     bosque de palavras enlaçadas,
Não, não tenho nada a dizer; ninguém tem nada a dizer, nada nem
     ninguém exceto o sangue,
nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o já escrito 
     e repetir a mesma palavra na metade do poema,
sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que vai e vem
     e não diz nada e me leva consigo.


(Trad. Haroldo de Campos)

segunda-feira, 19 de agosto de 2013




QUERO SER TAMBOR

José Craveirinha


Tambor está velho de gritar Oh velho Deus dos homens deixa-me ser tambor corpo e alma só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

Nem flor nascida no mato do desespero Nem rio correndo para o mar do desespero Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até a consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!




José Craveirinha: Poeta moçambicano.

Mafalala: Bairro da capital de Moçambique.
Zagaia: Lança curta de arremesso.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013


















Por esse mar de telhados
Sombras de sons
Serpenteiam o meu sono,
Gritos esparsos
Ecoam na noite
Como gotas de orvalho,
Brilhos noturnos
De eterno silêncio...
São apenas lembranças
De um tempo recente,
Em que a juventude
Pulsava como uma força
No nosso sangue
E passeávamos os nossos
Corpos bronzeados
Por entre
Praias e sonhos
Como gaivotas encantadas
Pelo brilho do luar...



Carlos Maia
Dezembro/79

quarta-feira, 7 de agosto de 2013















Terra,
Areia cintilante
Na relva da colina
Recortada num céu sem nuvens...
Árvores,
Raízes para o céu
Galhos como mãos
Pedindo clemência a Deus
Quem me dera,
Chovessem estrelas
Das minhas mãos...



Carlos Maia

16/04/84

terça-feira, 6 de agosto de 2013



















Eu quero um amigo
Urgente
Para poder dar
Um abraço
Aonde andam as
Ruas tão vazias
Nestas tardes
de domingo?
Em que Capibaribe
Eu perdi
O meu ser?



Carlos Maia
01/08/07

segunda-feira, 5 de agosto de 2013




















Tanto amor pra dar
Tanta coisa pra falar
Tanto que viver
Tanta alegria transbordando
No coração,
Sem encontrar
Um cálice pra receber!
Mas a vida tá aí
Na cara da gente,
No coração da gente!
É só abrir a porta
Pra deixar ela fluir
E voltar naturalmente.
A vida tá no coração da gente!
Feito um passarinho
Preso, louco pra voar
E que a gente
Prende sem saber
Que o que há de belo
Num passarinho
É o seu voo livre
E não o seu canto preso.



Carlos Maia
Julho/81

domingo, 4 de agosto de 2013




















Passar pela janela da vida
E sair mundo afora
Vida a dentro
O coração pulsando
Entre vales e cordilheiras...
Viver
Entre coqueiros
E areia branca,
Fascinado pelo

Brilho azul do mar,
É mergulhar
E se deixar levar...
Guiado pelos olhos de um jovem louco



Carlos Maia
Janeiro/81

sábado, 3 de agosto de 2013

























Uma garça branca
Repousa no galho de uma árvore
O rio transparece translúcido
Refletindo o céu
Pensamentos e eras voam
Na correnteza do vento
Sonhos da sua bem-aventurança
Retratos de si mesmo...



Carlos Maia
18/02/09

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

quinta-feira, 1 de agosto de 2013




















Poeta, poeta, onde estão indo
dar os teus caminhos?
Onde deixastes o prumo, a régua, o passo?
Poeta, poeta, que ânsia de vida é essa?
Que poço insondável é esse que consome
o teu coração?
Risca uma nova porta, traça uma nova estrada,
Soergue o prumo das entranhas da terra,
Retoma a tua vida!
Enfrenta o minotauro
nos labirintos
do teu coração!



Carlos Maia
30/07/04