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sábado, 30 de janeiro de 2016
















A ESMO


...como é bom ficar distraída
a passar o tempo
olhando o tempo.
Como se o vento , leve brisa
Fosse carregando-me
Infinitamente
Para algum lugar
Sem limites...
Lá sentir-me nuvem...
Doce algodão,
A deslizar no céu
E só passar,passar, passar...


Cecília Villanova

BARUCH

Trago flores mortas para ti.
Para o teu mundo de lágrimas antigas,
para o teu mundo de novas bandeiras
e exércitos em marcha,
trago novas cantigas,
um cântaro vazio nas mãos e o sonho que não sonhaste.
Depois de tanto,
de tantas noites vazias,
teus olhos tão tristes,
silentes,
profundos,
são duas câmaras sepulcrais
numa manhã de outono.
Leva-me contigo.

Sérgio Leandro
















Você não teve mais alucinações
do que eu.
Não sentiu mais medo
do que eu
Não sentiu mais horrores
do que eu,
Não teve o pavor, o desespero,
a solidão.
A incapacidade de qualquer realização
A falta de lembranças
A perda de memória
O esgotamento físico e
mental.
Foi aí que joguei a toalha
E admiti a minha condição humana,
delicada, frágil.
Aberta à necessidade
do outro.

Paulo Carvalho

















A VÃ RESSURREIÇÃO E A NOITE PLENA

Reacender as lâmpadas.
Com elas reordenar as sombras,
e entre elas cruzar o páteo,
onde há longo tempo jazem sem uso
as telhas derrubadas.

Tirar de novo o barco das amarras,
levantar outra vez ferros e portas.
Atravessar o medo antigo e fundo,
mover os remos outra vez.
De novo desenterrar as vísceras,
atar de novo as cartilagens,
riscar veias.

Retomar os degraus desmantelados,
reassumir o pulso, as mãos, os passos.
Entretanto,
apesar dos esforços,
receber a morte pressentida,
prometida desde muito.

Escutar as notas graves,
que ecoam e ressoam como sombras,
e sentir, para além das cartilagens,
a noite interminável.

Noite franca, aberta e pérfida,
profusa e leve,
escura como as vísceras, corrente;
estendida sem peso sobre a relva,
posta sobre si mesma.

Noite extensa,
fiel e lenta, traiçoeira, múltipla,
fosca e sem cor, eterna e provisória.

Nélson Saldanha



















O POETA PEDE AO SEU AMOR
QUE LHE ESCREVA

Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.

Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

Federico Garcia Lorca
Tradução:  William Agel de Melo
O SARAU DA BOA VISTA
FOI ADIADO
NOVA DATA
AINDA SERÁ
DIVULGADA.

ALDO LINS

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Este poema de Drummond salvou a minha vida. Há uns quinze anos mais ou menos, estava numa depressão fortíssima, e estava pensando em tomar 1080 (veneno de rato), quando num grupo que eu fazia parte no Orkut (De quem é o poema?), postaram este poema. Obrigado Drummond! (Carlos Maia)















NÃO SE MATE

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Meu Velho - Altemar Dutra

Naquela mesa - Nelson Gonçalves

THE FEVERS - SÓ AS BOAS




















           No post de hoje decidi começar uma coluna e publicar uma série de conselhos de alguns grandes escritores para novos autores. Hoje, começaremos com o americano Chuck Palahniuk, autor de Clube da Luta e um nome influente na literatura nas últimas décadas. Aqui, nesta análise, ele dá algumas dicas de como distinguir “boa literatura” de um “lixo melodramático qualquer”, coisas simples, sem questões complexas inventadas pela crítica, mas pequenos detalhes que constituem a essência do que é escrever, do ofício do Escritor. Não vou tomar muito da sua  leitura, então, seguem as palavras de Palahniuk:

Itárcio Ferreira

Em seis segundos, você vai me odiar. Mas em seis meses, será um escritor melhor.

De agora em diante – pelo menos pelo próximo meio ano – você não poderá usar “verbos de pensamento”, incluindo: pensar, saber, entender, perceber, acreditar, querer, lembrar, imaginar, desejar e centenas de outros que você ama.

Essa lista também deve incluir: amar e odiar. E pode se estender a ser e ter, mas nós vamos chegar nesse mais tarde.

Até mais ou menos o natal, você não poderá escrever: “Kenny se perguntou se Mônica não gostava que ele saísse à noite…”

Em vez disso, você terá de desmembrar isso em algo como: “Nas manhãs que se seguiam às noites em que Kenny estava fora depois do último ônibus, quando ele teria que pegar uma carona ou pagar por um carro para chegar em casa e encontrar Mônica fingindo dormir – porque ela nunca dormia daquela forma tão tranquila – naquelas manhãs, ela sempre colocava apenas sua xícara de café no microondas. Nunca a dele.

Em vez de fazer seus personagens saberem qualquer coisa, você deve agora apresentar detalhes que permitam que o leitor os conheça. Em vez de fazer seus personagens quererem alguma coisa, você deve agora descrever a coisa para que seus leitores passem a querê-la também.

Em vez de dizer: “Adam sabia que Gwen gostava dele.”, você terá que dizer: “No intervalo entre as aulas, Gwen se encostava no armário de Adam quando ele se aproximava para abri-lo. Ela rolava os olhos e partia, deixando uma marca negra no metal, mas também seu perfume. O cadeado ainda estava quente pelo contato com suas nádegas. E, no próximo intervalo, Gwen estaria encostada ali, outra vez.”

Para resumir, pare de utilizar atalhos. Apenas detalhes sensoriais específicos: ações, cheiros, gostos, sons e sensações.

Normalmente, os escritores usam esses “verbos de pensamento” no início dos parágrafos (dessa forma, você pode chamá-los de “afirmação de tese”, e eu vou protestar contra eles mais tarde). De certo modo, eles afirmam a intenção daquele parágrafo. E, o que se segue, ilustra essa intenção.

Por exemplo: “Brenda sabia que ela nunca cumpriria o prazo. O trânsito estava terrível desde a ponte, passadas as primeiras oito ou nove saídas. A bateria do celular havia se esgotado. Em casa, os cachorros precisariam sair para um passeio, caso contrário haveria uma grande bagunça para limpar depois. Além disso, ela prometeu que aguaria as plantas para o vizinho…”

Você percebe como essa “afirmação de tese” tira o brilho do que se segue? Não faça isso.

Se não tiver jeito, corte a sentença de abertura e coloque-a depois de todas as outras. Melhor ainda, mude para: “Brenda nunca cumpriria o prazo.”

Pensar é abstrato. Saber e acreditar são intangíveis. Sua história sempre vai ser mais forte se você mostrar apenas as ações físicas e os detalhes dos seus personagens e permitir que seu leitor pense e saiba. E ame e odeie.

Não diga ao leitor: “Lisa odiava Tom.”

Em vez disso, construa seu caso como um advogado na corte, detalhe por detalhe.

Apresente cada evidência. Por exemplo: “Durante a chamada, no instante logo após a professora dizer o nome de Tom, naquele momento antes que ele respondesse, bem naquele instante, Lisa sussurrava “seu merda” justo quando Tom respondia “Presente”.

Um dos erros mais comuns de escritores iniciantes é deixar seus personagens desacompanhados. Ao escrever,  você pode estar sozinhos. Ao ler, sua audiência vai estar sozinha. Mas seus personagens devem passar muito pouco tempo sozinhos. Porque um personagem desacompanhado começa a pensar, a se preocupar ou a se perguntar.

Por exemplo: “Enquanto esperava pelo ônibus, Mark começou a se perguntar quanto tempo a viagem tomaria…”.

Uma construção melhor seira: “A programação dizia que o ônibus chegaria ao meio dia, mas o relógio de Mark dizia que já eram 11:57. Dali dava para ver até o fim da rua, até o shopping, e ele não via nenhum ônibus vindo. Sem dúvidas, o motorista estava parado em algum retorno no fim da linha, tirando uma soneca. O motorista estava dormindo e Mark estava atrasado. Ou pior, o motorista estava bebendo e, quando ele parasse ali, bêbado, cobraria setenta e cinco centavos por uma morte horrível em um acidente de trânsito.”

Um personagem sozinho deve mergulhar em fantasia em memória, mas mesmo nesses casos você não pode usar “verbos de pensamento” ou qualquer um de seus parentes abstratos.

Ah, e você não pode se esquecer dos verbos lembrar e esquecer. Nada de frases como “Wanda lembrou-se de como Nelson costumava escovar seu cabelo”.
Em vez disso, diga: “Quando estavam no segundo ano da faculdade, Nelson costumava arrumar o cabelo dela com escovadas suaves e longas”.
Outra vez: desmembre. Não utilize atalhos.

Melhor ainda, coloque o seu personagem junto com outro personagem rapidamente. Coloque-os juntos e deixe a ação começar. Deixe a ação e as palavras mostrarem seus pensamentos. Saia da cabeça deles.

E, enquanto estiver evitando os “verbos de pensamento”, seja muito cauteloso ao utilizar os verbos ser e estar.

Por exemplo:
“Os olhos de Ann eram azuis” ou “Ana tinha olhos azuis”
versus
“Ann tossiu e sacudiu uma mão em frente seu rosto, espantando a fumaça de cigarro de seus olhos, olhos azuis, antes de sorrir…”

Em vez de usar os sem graça “ser” e “ter”, tente enterrar esses detalhes dos personagens em suas ações ou gestos. Para simplificar, isso é mostrar sua história, em vez de contar.

E daqui para frente, depois que você aprender a desmembrar seus personagens, você vai odiar os escritores preguiçosos que se contentam com: “Jim sentou-se ao lado de seu telefone, perguntando-se se Amanda não ligaria.”

Por favor. Por enquanto, me odeie com todas as suas forças, mas não use “verbos de pensamento”. Depois do natal, sinta-se livre, mas eu apostaria dinheiro que você não vai voltar atrás.
(…)

Como tarefa do mês, vasculhe suas escritas e circule cada “verbo de pensamento” que você encontrar. Depois, encontre uma forma de eliminá-los. Mate-os através do desmembramento.

Em seguida, vasculhe algum livro de ficção e faça o mesmo. Seja impiedoso.

“Marty imaginou um peixe saltando sob a luz da lua…”

“Nancy lembrou-se do sabor do vinho…”

“Larry sabia que ele era um homem morto…”

Encontre-os. Depois, descubra um jeito de reescrevê-los. Torne-os mais fortes. 


Chuck Palahniuk
Fonte: http://blogdoitarcio2.blogspot.com.br/

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016


















Poema da última folha do caderno

meu coração é bicho de jaula no mundo
cabelo desdentado pela manhã
adaptação de um sol laranja

a espera da luz como
a única companhia

os dias alimentando a pressa
dos azulejos trocadas
num jogo de amarelinha

as placas sem identidade
quebram os faróis do carro
na curva mais escura
dos teus cílios

sinto falta do sino da igreja
a cidade emudecida
cheiro que não se nomeia

minha mãe de saia longa
tecido no arame farpado
o sangue da infância

falar que te amo quando você
(des)aparece no corredor
da universidade

superlua e áudios abafados

meu coração é o mundo dentro
de um bicho enjaulado.

(Teresa Coelho)
Fonte: http://olhosdeespuma.blogspot.com.br/
















então queres ser um escritor?
se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração, da tua cabeça, da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.
se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.
se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.
não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.
quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.
não há outra alternativa.
e nunca houve.

Charles Bukowski
(Tradução: Manuel A. Domingos)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016





Vendo os vagalumes
o barqueiro embriagado
vai remando a esmo...

Matsuo Bashô



















ORIENTAL

Recusar na primavera
os saibros em Saigon
enunciar em ecrã
a vida-desperdício.
Legar à cultura-mãe
meu abandono e
sob a musa
zunir um sonho
horroroso.
Acordar em Ulan Bator
lamuriar as árvores
patentear cavalos
entre duas fronteiras
ser vermelha.
Enrugar meu rosto
foragir meu vento
sumir dos campos
até que o volga
me refaça
fluvial
e me interligue.
Depois a pé
muito longe
um Bashô
me escreveria.


Roberta Tostes Daniel

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Morrissey -- Irish Blood, English Heart

Primeiros Erros - Capital Inicial

Cássia Eller - Mudaram as Estações MHS

Legião Urbana - Tempo Perdido (ao vivo) Especial



























SONETO 19 (Traduzido)

Tempo voraz, corta as garras do leão,
E faze a terra devorar sua doce prole;
Arranca os dentes afiados da feroz mandíbula do tigre,
E queima a eterna fênix em seu sangue;
Alegra e entristece as estações enquanto corres,
E ao vasto mundo e todos os seus gozos passageiros,
Faze aquilo que quiseres, Tempo fugaz;
Mas proíbo-te um crime ainda mais hediondo:
Ah, não marques com tuas horas a bela fronte do meu amor,
Nem traces ali as linhas com tua arcaica pena;
Permite que ele siga teu curso, imaculado,
Levado pela beleza que a todos sustém.
Embora sejas mau, velho Tempo, e apesar de teus erros,
Meu amor permanecerá jovem em meus versos.


William Shakespeare
(Tradução: Thereza Christina Motta)

domingo, 3 de janeiro de 2016




MEDITAÇÃO
Com a disciplina e a prática da meditação, as qualidades genuínas da nossa essência desabrocham e vão se estabelecendo na superficie do nosso ser, curando as nossas cicatrizes. A nossa mente, nossas percepções se expandem, o nosso coração se abre, sentimos uma felicidade profunda que preenche o nosso ser. Nos sentimos realizados!
A meditação nos desperta para uma consciência mais profunda, desenvolvendo um relacionamento íntimo conosco mesmo, transformando a nossa qualidade de vida, nos mostrando o propósito de nossa alma.
Através da meditação mudamos o nosso foco de atenção. Encontramos a verdadeira felicidade independente das circunstâncias do nosso mundo relativo, que está sempre sujeito a mudanças.
Em sua essência, a meditação é um processo simples, é a arte de estar consciente, de se tornar um observador do nosso processo mental – sem julgamentos, observamos o que está acontecendo dentro de nós, nos nossos vários níveis existenciais, ao nosso redor. Ela nos traz possiblidades de cura e de integração do nosso ser.
O propósito da meditação é nos fazer consciente do nosso verdadeiro EU…não o criado por nós, mas com o qual nascemos…o nosso birthright! Somos o nosso EU, esperando por ser descoberto! Com a sua descoberta, o homem se torna um indivíduo, contribuindo com a sua natureza única, consciente da sua conexão com o todo.
Fonte: http://anandayourbliss.com/



SOARES FEITOSA

O soneto A árvore da serra, um poema ecológico ou a paisagem de um assassinato? A melancolia do Poeta. Francisca, a jovenzinha, Santa Francisca


Não sei o nome correto, se Augustismo ou Augusto-dos-Anjismo, mas sei que se funda no Brasil uma nova religião. Pior, uma nova seita, cheia de fanáticos: o culto ao Poeta (se eu não botar esse pê maiúsculo, vou apanhar, por isto, taí:  Poeta Augusto dos Anjos). 
Ninguém na literatura da língua portuguesa é mais amado ou mais odiado que Augusto dos Anjos. Neste ano de 1997, eu vi com estes olhos que a terra não comerá tão cedo, o reitor Antônio Martins Filho, numa festa da intelectualidade cearense que o homenageava pelo extraordinário trabalho de editor (quase 200 títulos, a maioria, escritores da região); pois bem, vi o reitor recitar “de cor e salteado” vários sonetos de Augusto dos Anjos, entre eles, o maior deles da língua portuguesa – dizem os fanáticos – Vandalismo. O reitor tem “apenas” 94 anos e que Deus o conserve leve e fagueiro por muito mais! 
Alguém teria de mandar gravar um clip com Hélio Pólvora, outro sacerdote dessa estranha religião, recitando, também de cor e salteado, os sonetos do Pai. Ou, com o extraordinário poeta, também baiano como Hélio Pólvora, o Luís Antonio Cajazeira Ramos, a emoção plenificada quando recita o tal Vandalismo, e ainda me tem o desplante de dizer, o Cajazeira, repetindo as “catedrais”, que aquilo é mais bonito que o Navio!
Dizem que nenhum poeta brasileiro cresce mais do que Augusto dos Anjos, – pobre Bilac, este sim, o que menos cresce! Merecidamente, ambos.
Os fanáticos, com justas razões contrapõem: pior é uma outra seita, quando um certo Feitosa  — o locutor que vos fala — anda espalhando por aí que o maior poema do mundo, não é da língua portuguesa apenas; é de todas as línguas, inclusive das que ainda estão por falar, seria o certo Navio. Algum navio inédito, de Dante, de Shakespeare? Não, o Navio, de um certo menino baiano, o Antônio Frederico, dito Castro Alves. 
Bom, fanáticos de parte a parte, vamos ao que interessa: seria o soneto A Árvore da Serra,  de Augusto dos Anjos, apenas um poema ecológico, quando no início do século nem se falava em ecologia? 

A Árvore da Serra 
— As árvores, meu filho, não têm alma! 
E esta árvore me serve de empecilho... 
É preciso cortá-la, pois, meu filho, 
Para que eu tenha uma velhice calma! 
            
— Meu pai, por que sua ira não se acalma?! 
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?! 
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho... 
Esta árvore, meu pai, possui minh’alma! ... 
            
— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa: 
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!» 
E quando a árvore, olhando a pátria serra, 
            
Caiu aos golpes do machado bronco, 
O moço triste se abraçou com o tronco 
E nunca mais se levantou da terra!


        Sempre achei meio exagerada a imagem desse moço abraçado ao tronco da árvore, para nunca mais se levantar da terra. Nunca gostei desse senhor Augusto. Por dever de ofício, não poderia deixá-lo de fora do Jornal de Poesia. Ali coloco a todos, desafetos inclusos, se é que os tenho — mas devo tê-los — quem não os tem?, e eles estão todos lá! 
Caí na besteira de ligar para o escritor Hélio Pólvora — isto era Bahia, de muita saudade, o mês era de junho de 1996, o Jornal de Poesia dava seus primeiros passos:
— Hélio, você tem algum livro desse chato, o Augusto dos Anjos? 
Percebi que o moço se ofendeu! Em minutos chegou lá-em-casa, Augusto debaixo do braço, foi-mo entregando (EU), e o tom era de religiosidade e devoção absolutas, e leu, de livro fechado, os 4 Sonetos do Pai. E leu Vandalismo. E leu todas as lágrimas que a sagrada emoção pode permitir a um homem. Emocionei-me com a emoção dele. 
Ele disse, já se acalmando à cervejinha corretamente gelada: 
— Feitosa, sei o divino Augusto de cor! 
Achei aquilo tudo muito estranho, mas no dia seguinte coube-me pagar a mesma pena. Eu mesmo digitei o tal Navio para o Jornal de Poesia. Era um livro velho, também pertencente ao Hélio Pólvora, com os aqueles acentos malucos de “estrêla”, substantivo, e “estrela”, sem acento, do verbo estrelar. Tive que sair corrigindo tudo, lendo, relendo. Depois de digitado, dirigi-me a uma das janelas de beira oceano – o mar revolto, era uma tarde chuvosa, o mar terrivelmente belo e forte, e caí na tentação de recitar aos berros, pra mim, pros peixes e a solidão o tal Navio. Menos pranto tiveram o mar e Hélio. 
Finalmente, todos os Navios completos, a obra poética de Castro Alves está completa no Jornal de Poesia, na Internet, para o mundo! A de Augusto também está. A de Fernando Pessoa e de Camões também. 
Sabem quem é mais lido? Augusto. (Essas geringonças eletrônicas têm contadores que acusam quantos leitores comparecem diariamente e o que lêem.) Como curiosidade, eis os mais lidos, na Internet, num universo médio de 7.000 leitores semanais do Jornal de Poesia, de todos os recantos do mundo: Augusto, Pessoa, Camões e Alves, nesta ordem. Estes os quatro grandes da língua portuguesa neste planeta, — Gaia, um corpo vivo, dizem, esta bola-semente, vulgo Terra.  
Acabemos com tanta conversa mole e voltemos ao tema principal. O soneto ecológico de Augusto dos Anjos, A Árvore da Serra, ecologia ou tragédia familiar? 
Estava eu num lançamento em Fortaleza, o Anuário do Ceará, do meu amigo Dorian Sampaio, quando em meio aos comes-e-bebes, Evandro Ayres Moura, paraibano/cearense, de grande formação humanística, a partir do velho Seminário Diocesano de João Pessoa, ele, Evandro, também pertencente a estranha seita dos Augustistas, me diz que a mãe de Augusto mandara matar a filha do vaqueiro por quem o jovem Augusto de apaixonara e que toda a amargura da obra de Augusto se devia a esse fato, retratado no soneto A Árvore da Serra — e sapecou o soneto no meio da pequena e estarrecida platéia que o cercava. 
Assombrei-me. Fazia sentido. O junquilho, aquele matinho insignificante, como se fosse um capim rústico (a filha do vaqueiro, a probezinha); e os cedros, as moças paraibanas, do coronelato dos engenhos senhoriais, Nordeste zelinsdoregueano. 
Passei um e-mail para o meu amigo Hélio Pólvora, atualmente integrando o Conselho Curador da Universidade Livre do Mar e da Mata, em Ilhéus, Bahia. Ele fez uma crônica que foi publicada no jornal A Tarde.  
Um certo Horácio, contou-me o Sânzio Azevedo, havia dito a ele que a mãe do poeta, uma jararaca, que Deus a tenha e perdoe, é que teria mandado matar a jovenzinha, Francisca, filha do vaqueiro. Que o pai de Augusto era um babaca, dominado pela mulher, que ele, o pai, se omitira, mas ficara do lado do filho; daí a presença sempre muito grata do pai na obra do poeta; daí o desamor pela mãe, ausente em toda a obra.   
Infelizmente, não há registro histórico. Diz o Envandro que o fato era do conhecimento de todos, quando ele, Evandro, jovenzinho, estudava no Seminário em João Pessoa. Botando esse “jovenzinho” em cima das costas de  Evandro Ayres de Moura (chegou a ser prefeito de Fortaleza e político de bom nome), já um velhote ainda bem conservado, mesmo assim, seminarista na década de... 30, 40, por aí.  
O próprio Horácio Almeida se deu por contente com “ouvi-dizer” e nunca se entregou, parece, a uma pesquisa histórica. Hélio Pólvora que privou da amizade do irmão de Augusto diz, na crônica de A Tarde que o dito irmão de Augusto parecia guardar segredos. 
Concluo por achar, mais uma achista, que o poeta teve mesmo o problema amoroso da perda. Concluo que os pesquisadores não levaram o assunto a sério. Imagino que fosse mesmo muito difícil, naqueles tempos — hoje, 1997, início de novo milênio, ainda deve ser impossível! — desafiar um coronel poderoso. Não se pode esquecer que os pais de Augusto pertenciam à Zona da Mata — cana e açúcar — paraibanos de boa cepa, “de família” como se dizia e ainda se diz. Proprietários de engenho, sempre foi assim mesmo, uma riqueza cheia de empáfia, tradição e poder. 
Quem se haveria de meter com a coronela-mãe do poeta para “provar” que ela mandara dar uma “groja” na jovenzinha e que daquela “groja”, o aborto, a morte? E, suprema ironia, da morte, o maior poeta brasileiro! Desculpem, logo abaixo do Menino! 
Quase cem anos, a “groja”, o aborto e morte de Francisca, tarefa difícil de pesquisar. A própria família deve ter feito tudo pelo segredo.  
Santa Francisca, salve!  
        Perdoe-me dizê-lo: foi melhor assim.
PS: Ia-me esquecendo: de tanto ler esse “marvado”, começo a gostar dele; de tanto aborrecer de escutar o Vandalismo..., “quebrei a imagem dos meus próprios ídolos”, já preenchi minha ficha de inscrição na seita.