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terça-feira, 12 de abril de 2016



















XXXVIII - BENDITO SEJA O MESMO SOL

Bendito seja o mesmo sol de outras terras
Que faz meus irmãos todos os homens
Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu, 
E, nesse puro momento
Todo limpo e sensível
Regressam lacrimosamente
E com um suspiro que mal sentem
Ao homem verdadeiro e primitivo
Que via o Sol nascer e ainda o não adorava.
Porque isso é natural — mais natural
Que adorar o ouro e Deus
E a arte e a moral ...


Alberto Caeiro
















BALADAS DE UMA OUTRA TERRA

Baladas de uma outra terra, aliadas
Às saudades das fadas, amadas por gnomos idos,
Retinem lívidas ainda aos ouvidos
Dos luares das altas noites aladas...
Pelos canais barcas erradas
Segredam-se rumos descridos...
E tresloucadas ou casadas com o som das baladas, 
As fadas são belas e as estrelas
São delas... Ei-las alheadas...
E são fumos os rumos das barcas sonhadas,
Nos canais fatais iguais de erradas,
As barcas parcas das fadas,
Das fadas aladas e hiemais
E caladas...
Toadas afastadas, irreais, de baladas...
Ais...


Fernando Pessoa

domingo, 10 de abril de 2016

Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ivete Sangalo - Drão

Marisa Monte - Depois (iTunes Live from São Paulo)

Encontro - Maria Gadú
















ASSIM, SEM NADA FEITO E O POR FAZER

Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.
Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.
Tênue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.
Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.
Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!

Fernando Pessoa

















A ‘SPERANÇA, COMO UM FÓSFORO INDA ACESO

A 'sperança, como um fósforo inda aceso,
Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso. 
Cada dia me traz com que 'sperar
O que dia nenhum poderá dar.
Cada dia me cansa de Esperança ...
Mas viver é ‘sperar e se cansar.
O prometido nunca será dado
Porque no prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se a esperança e gosto,
Gastou-se no esperá-lo, e está acabado. 
Quanta ache vingança contra o fado
Nem deu o verso que a dissesse, e o dado
Rolou da mesa abaixo, oculta a conta.
Nem o buscou o jogador cansado.

Fernando Pessoa























ÀS VEZES

Às vezes tenho ideias felizes,
Ideias subitamente felizes, em ideias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...

Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto?  Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

Fernando Pessoa

















AS MINHAS ANSIEDADES

As minhas ansiedades caem
Por uma escada abaixo.
Os meus desejos balouçam-se
Em meio de um jardim vertical.
Na Múmia a posição é absolutamente exata.
Música longínqua,
Música excessivamente longínqua,
Para que a Vida passe 
E colher esqueça aos gestos.

Fernando Pessoa

sábado, 9 de abril de 2016

Caetano Veloso, Maria Gadú - O Leãozinho


















GRAVANDO MINHA DOR NUMA ÁGUA FORTE

Estendeu no horizonte a cor madura
da sombra que buscou, o tempo antigo,
as paisagens do mar, a lenda impura,
cada vez mais achado e mais perdido
depois, exausto e só, foi à procura
do quadro iniciado e dissolvido
do cata-vento azul, da rosa escura,
do pranto, da mulher e do gemido
chegou largando as mãos na longa estrada
e abrasado de amor ficou na rua
buscando, em vão, a luz da madrugada
só então foi ternura e foi abraço
a paisagem deixou vazia e nua
para que tantas cores neste espaço?


Jaci Bezerra






















PARA TE VER É LONGA TODA ESPERA

Há uma serra no teu peito
feita de sonho e de distância.

É nessa serra que me deito
com tua luminosa infância.
Ao te esfolhar, na tarde branca,
me extravio nas tuas ancas.

Habitando a paisagem branca
na curva dessa serra deito.

Assim, montando as tuas ancas,
cavalgo os sonhos do teu peito.
Depois, retido na distância,
na cama acendo a tua infância.

Nos veludos da tua infância
qualquer montanha é pura e branca,
claro verão que, na distância,
cintila sobre tuas ancas.

É minha a serra do teu peito
quando à sombra do teu corpo deito.

Sobre os lençóis, quando me deito,
meu coração é a tua infância.
Eu, pelas serras do teu peito,
sou um menino na distância,

cavalgando, na tarde branca,
os girassóis das tuas ancas.

Nos extremos das tuas ancas
cavalgo as serras do teu peito.
O teu corpo, na tarde branca,
é o meu lençol quando me deito.

Uma criança, na distância,
sou a serra da tua infância.

Quero galgar serra e distância
nas tuas mãos de nuvens brancas,
do mesmo modo quero a infância
e os girassóis das tuas ancas.

A mim me basta, se me deito,
morrer nas serras do teu peito.

Jaci Bezerra

Carolina In My Mind - James Taylor

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Brother, brother, brother - Carole King (Tradução)

Brother, brother, brother Oh, irmão, irmão, irmão Eu sei que você está na linha de fundo Por um longo período de tempo Mas eu te amo como a nenhum outro Oh, meu irmão Eu estive observando tudo que você faz E eu estive desejando apenas o bem para você Tudo que você tem a fazer é apenas Desejar isto - que vai chegar até você Oh, irmão, irmão, irmão Eu sei que você está pendurado Por um longo tempo Mas eu te amo como a nenhum outro Oh, meu irmão Você sempre foi tão bom para mim E mesmo que você nem sempre fale comigo Não havia muito do meu amor, Olhos não podiam ver E eu não acredito que você precisa De toda a sua miséria Oh, irmão, irmão, irmão Eu sei que você está pendurado por um longo tempo Você sabe que eu te amo como a nenhum outro Oh, irmão, irmão, irmão Falando sobre você, irmão Carole King

Léo - Milton Nascimento

quarta-feira, 6 de abril de 2016
























A CALIGRAFIA DO SILÊNCIO

Ando pelas ruas desta incerta cidade.
Deixo que o meu olhar
se ajuste ao olhar dos outros.
Entre ruas e rostos há fragmentos de solidão
que denunciam a trágica expressão da vida.
Todos conhecem a oralidade da mudez,
a vigília da revolta, a senha do desdém,
a estranheza de golpes imolando os sonhos.
Eu, com uma fala colada na língua,
somente me consinto
a áspera caligrafia do silêncio.

Graça Pires
De Uma claridade que cega, 2015

terça-feira, 5 de abril de 2016

Guns N' Roses - Knocking on heaven's door - Legendado



















A DANÇA DA PSIQUÊ

A dança dos encéfalos acesos
Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços
As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombara, cedendo à ação de ignotos pesos!

É então que a vaga dos instintos presos
— Mãe de esterilidades e cansaços —
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos.

Subitamente a cerebral coréa
Para. O cosmos sintético da Ideia
Surge. Emoções extraordinárias sinto...

Arranco do meu crânio as nebulosas.
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!


Augusto dos Anjos















Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia…
A vida assim, jamais cansa…
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu…
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…

Mário Quintana

segunda-feira, 4 de abril de 2016
























“Há incontáveis pessoas civilizadas que se recusam a cometer assassinato ou a praticar incesto, mas que não se negam a satisfazer sua avareza, seus impulsos agressivos ou seus desejos sexuais, e que não hesitam em prejudicar outras pessoas por meio da mentira, da fraude e da calúnia, desde que possam permanecer impunes.” (Sigmund Freud, neurologista e psicanalista austríaco)












O PODER DOS BRINQUEDOS
Quantas vezes os brinquedos que criamos
Se libertam de nós e nos comandam
Sem supormos estar em seu poder?
Quantas vezes os brinquedos são mais que brinquedos 
Em sua estranha vida, a ensinar-nos surpresas 
Como a de uma linguagem 
De poesia, em que tudo é puro sonho, 
Ou de terror, quando seus monstros investem 
Contra o puro sonho que nos salva? 
Como banhar-nos nas avenidas do dia, 
Se impelidos para amanhãs não suspeitados 
Somos flechas sem destino, somos títeres 
Da própria farsa que engendramos 
Para nos livrar do silêncio das coisas 
E o domínio alcançar da árvore da ciência 
Do bem como do mal? 
E tudo ao custo do esquecimento 
Da árvore da vida! Pobre árvore da vida, 
Que não serás mais verde nem eterna!
Ângelo Monteiro

sábado, 2 de abril de 2016
















IDENTIDADE

Aliado do céu por ser azul
Tento caminhar sóbrio
Mesmo sentindo o chacal
Nos meus sensíveis calcanhares.

Tenho cinquenta sonhos publicados
Outros tantos arquivados
Sou um cavaleiro de aquário
Pertenço a uma estrela imaginária.

Entretanto, as minhas asas rastreadas
Não alcançaram o cume das montanhas
O cheiro da dor cinza pela estrada
Revela a tristeza de minha alma.

Mas sobre tudo ou sobre nada
Há uma calçada onde passeia o rouxinol
E uma varanda abandonada
Onde moro eu e o sabiá.

Aldo Lins













CANTO SELVAGEM

Seria jocoso o canto do juriti
Se a jaguatirica não judiasse da jacutinga
Vendo joviais jandaias num juazeiro
E a jerivá estendo a esteira para o jabuti.

Jenipapos ao lado de um jequitibá
A jurema brotando um cheiro de jasmim
Jararacas mergulhando com os jacarés
E a bengala de junco com o verniz do jatobá.

Uma morena jambo junto do jacarandá
Tornaria um jazigo numa jazida
Se um japonês numa jangada
Não jurasse levar tudo isto pra lá.


Aldo Lins






















PORQUE CANTAMOS

Se estamos longe como um horizonte
se lá ficaram as árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausência
e cada despertar um desencontro

você perguntará por que cantamos

cantamos porque o grito só não basta
e já não basta o pranto nem a raiva
cantamos porque cremos nessa gente
e porque venceremos a derrota

cantamos porque o sol nos reconhece
e porque o campo cheira a primavera
e porque nesse talo e lá no fruto
cada pergunta tem a sua resposta

cantamos porque chove sobre o sulco
e somos militantes desta vida
e porque não podemos nem queremos
deixar que a canção se torne cinzas.

Mário Benedetti