Oração do Milho
Senhor,
nada valho.
Sou a
planta humilde dos quintais pequenos e das
lavouras pobres.
Meu grão,
perdido por acaso,
nasce e
cresce na terra descuidada.
Ponho
folhas e haste, e se me ajudares, Senhor,
mesmo
planta de acaso, solitária,
dou espigas
e devolvo em muitos grãos
o grão
perdido inicial, salvo por milagre,
que a terra
fecundou.
Sou a
planta primária da lavoura.
Não me
pertence a hierarquia tradicional do trigo
e de mim
não se faz o pão alvo universal.
O Justo não
me consagrou Pão da Vida, nem
lugar
me foi dado nos altares.
Sou apenas
o alimento forte e substancial dos que
trabalham a
terra, onde não vinga o trigo nobre.
Sou de
origem obscura e de ascendência pobre,
alimento de
rústicos e animais do jugo.
Quando os
deuses da Hélade corriam pelos bosques,
coroados de
rosas e de espigas,
quando os
hebreus iam em longas caravanas
buscar na
terra do Egito o trigo dos faraós,
quando Rute
respigava cantando nas searas de Booz
e Jesus
abençoava os trigais maduros,
eu era
apenas o bró nativo das tabas ameríndias.
Fui o angu
pesado e constante do escravo na exaustão
do
eito.
Sou a broa
grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a
farinha econômica do proletário.
Sou a
polenta do imigrante e a miga dos que começam a
vida em terra estranha.
Alimento de
porcos e do triste mu de carga.
O que me
planta não levanta comércio, nem avantaja
dinheiro.
Sou apenas
a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho
abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto
festivo dos galos na glória do dia que
amanhece.
Sou o
cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a
pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,
que me
fizeste necessário e humilde.
Sou o milho.
Cora
Coralina
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