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sábado, 30 de novembro de 2013

Aos que vierem depois de nós - Bertolt Brecht























Realmente, vivemos tempos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.


Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

DOS LIMITES DO CORPO E DO POEMA - ÂNGELO MONTEIRO




















Não, não quero a euforia fácil dos bêbados.
A bondade fácil dos bêbados.
A ternura pegajosa dos bêbados.
Não quero o desfibrado entusiasmo
dos que são cativos das acrobacias dos tempos
antes de serem os tempos conjugados.
Filhos do puro jogo, porém imunes
ao fogo da Palavra. Por isso
quero todos os tempos do corpo
concentrados. Porque só aquilo
que se concentra sobre si mesmo é eterno.
Quero o mar concentrado e não disperso.
Quero enfim, o infinito. E nada impede
ser infinita uma coisa por ter margens.
Nós nascemos também tendo um corpo na vida.
Assim um poema. Assim tudo: em forma e substância,
a moldura do tempo faz eterno.
Quero o poema de um amor difícil:
como o sopro de um deus nascido em nós.
Que nenhuma palavra lhe anteceda.
Porque nada acontece à própria origem.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Eu deixara este verde como herança - Ângelo Monteiro




















Eu deixara este verde como herança,
se do peso do verde, libertado,
pudesse o mar em mim enclausurado,
rebentar as barreiras da esperança.

Ó ditoso país da remembrança,
cujo mar não me afoga, mesmo irado.
Mas se divide em dois, e desmembrado,
abre lúcida margem que me alcança.

Tal não é este mar, sempre agitado,
que trago dentro em mim, capturado,
na fé, no amor e na desesperança.

Como quem traz em si a força e o fado.
E, posto que este mar seja sonhado,
eu vos deixo o seu verde como herança.





















Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com suavidade
para que o escuro apeteça

para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome.


Mia Couto

Cinema no Hospital - Ramos Sobrinho


















Para Isabela Cribari


Cada poeta carrega,
às costas,
suas pedras,
mesmo se traz as mãos limpas
e a alma leve,
e com elas constrói
suas barricadas contra a dor:
a cela escura a céu aberto,
- às vezes
tão ficticiamente verdadeira.

Que pode a arte
ante a ferocidade destas horas,

quando a calmaria
antecede a tempestade?


2.012

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

BALADA PARA JOHN LENNON - Antônio de Campos




















As luzes de Nova Iorque ao apagar
de teu coração perderam a cor do filamento
Manhattan uma terra de lágrimas, agora
Mas o pássaro canta: ele apenas dorme

Muitas são as maneiras de se matar um homem,
a morte é que é uma só. Se difícil
madeira e cravos, fácil um buquê de balas.
Mas o pássaro canta ainda: ele apenas dorme.

Quatro balas quentes como a rosa
acesa de Hiroshima, quatro cordas partidas,
quatro punhaladas de chumbo.
Mas o pássaro canta ainda: ele apenas dorme

O inverno chegou mais frio
e a neve sobre o teu corpo é negra
como a pele dos que no Harlem te pranteiam.
Mas o pássaro canta ainda: ele apenas dorme.

Não mais verão teus olhos puros de criança,
parados num pedaço qualquer do céu da cidade
e com a infinita impossibilidade de chorar outra vez.
Mas o pássaro canta ainda: ele apenas dorme.

Por mim irias com aquele terno branco
e um punhado de vento em teus cabelos,
mas isso nada vale pra ressuscitar canções em tua boca.
Mas o pássaro canta mais alto que nunca: ele apenas dorme

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Um Cartão de Visitas - Alberto da Cunha Melo.




Moro tão longe, que as serpentes
morrem no meio do caminho,
Moro bem longe, quem me alcança
Para sempre me alcançará.

Não há estradas coletivas
com seus vetores, suas setas
indicando o lugar perdido
onde meu sonho se instalou.

Há tão somente o mesmo túnel
de brasas que antes percorri,
e que à medida que avançava
foi-se fechando atrás de mim.

É preciso ser companheiro
do Tempo e mergulhar na Terra,
e segurar a minha mão
e não ter medo de perder.

Nada será fácil: as escadas
não serão o fim da viagem;
mas darão o duro direito
de, subindo-as, permanecermos.

Vento - Carlos Gurgel



















o que me acorda

no meio da noite

são as asas do vento

que roubam do meu armário

as fotos de onde morei

as estrelas que dormiam pelo chão

e os dilúvios que passavam sobre os seus caminhos



e era como uma rua

que não via seus vultos nem rosas

passeando pela calçada

assim como quem vai a praça

e não lembra de olhar os olhos das crianças



e os seus amigos

sem perfumes e mulheres

já não guardam os seus quintais

sombras de cadeiras

varal com roupa dos vizinhos

e o adormecer das cobras e os seus pés errantes



e a brisa que vem do mar

acumula pelos tapumes e telhas

sua memória

ri do rio e suas métricas

como um lagarto que voa sem sua sombra e paz



e o vento

que da janela de um trem

invade lençois e colchões

cemitérios e cisternas

pede um pouco d’água

como promessa de quem já se esqueceu de sonhar.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Poema da Aurora - Lena Maria.




Laços de sangue...
Parentesco? Assim somos todos,
embora quase sempre inconscientes disso...
Te sinto ao longe
Nesse espaço
mas sinto de perto tuas angustias
de buscador da alma
que se refugia na poesia
como alimento de resistência
sedento de amor
de explicação
sentindo o vazio da existência
mas se enebriando na dor
como fonte única de sentir-se vivo!
A aurora da humanidade já lança seus sinais
seus raios multicoloridos já permitem
a visão do desmanchar das sombras
em doces esperanças de reconciliação
do ser individual com o Todo
do esquecimento para a lembrança
de quem realmente somos
somos Um na melodia harmônica da existência
a Perfeição está em todo o universo...
toda a dor
é apenas a sombra da pintura
que faz emergir as formas no contraste
A luz se enchergando luz
a partir de suas sombras...
eu sei, é doloroso...
A dor dói muito...
Mas sai um pouco da tua paixão de poeta
e vislumbra a harmonia da criação
reparaste em quanto Amor ?
Aliás, é essa a nossa matéria prima: Amor
Somos centelhas do Amor
o artista supremo marcou assim toda a Sua obra
e se ainda não compreendemos a obra
é porque ainda não "lembramos" do futuro
Futuro?
que espaço de tempo estamos?
Espaço/tempo?
limitações que aceitamos
para realizar este experimento cósmico.
Não tenhas medo de largar a dor
mesmo que isso pareça te lançar no vazio
lança com fé
na prece silenciosa do teu coração
a certeza de levar tua poesia
da escuridão da noite
para aurora da celebração
e sentirás o colo que tanto esperas
no teu próprio colo ofertado
e teu coração em arritmia
entrará no compasso do fluxo divino.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Oração aos vivos para que sejam perdoados por estarem vivos - Charlotte Delbo




Eu suplico-vos
fazei qualquer coisa
aprendei um passo
uma dança
alguma coisa que vos justifique
que vos dê o direito
de vestir a vossa pele o vosso pêlo
aprendei a andar e a rir
porque será completamente estúpido
no fim
que tantos tenham sido mortos
e que vós viveis
sem nada fazer da vossa vida.



Casa Vazia - Alberto da Cunha Melo




Poema nenhum, nunca mais
Será um acontecimento:
Escrevemos cada vez mais
Para um mundo cada vez menos,

para esse público de ermos,
composto apenas de nós mesmos,

uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas,
seu deserto particular;

ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.

domingo, 10 de novembro de 2013

Relógio de Ponto - Alberto da Cunha Melo




Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim os jogos,
a poesia, todos os pássaros
mais do que tudo: todo o amor.

De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e atravessaremos os córregos
cheios de areia, após as chuvas.

Se alguma súbita alegria
retardar o nosso regresso,
um inesperado companheiro
marcará o nosso cartão.

Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim as faixas
da vitória, a própria vitória,
mais do que tudo: o próprio Céu.

De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e lavaremos as pupilas
cegas com o verniz das estrelas.

sábado, 9 de novembro de 2013

























Na falta de coração,
dê-me um comprimido pra dor
ou a mão.

Pague uma cerveja,
esqueça um livro comigo,
não diga que é meu amigo.

Na falta de solução,
dê-me uma passagem e um mapa,
uma dose dupla de vodka barata
e o último trago deste cigarro.

Você não fuma. Nem eu.
Você não enxerga nem eu,
hoje, que é tarde, mas já tudo
é breu.

Na falta de um coração,
dê-me um cartão
do escritório de seu novo emprego,
uma pista dos olhos de seu novo apego,
me deixe saber a quem cabe
o choro que você não me autorizou
para o dia,
inevitável dia,
em que você vai embora...

Sem deixar na cidade
nem traço de si,
sem olhar com maldade
o sangue pisado,
sem pensar nos verbos
ou conjugá-los passados.

Na falta de tudo,
me deixe um argumento como escudo
e a lembrança entre viva e embaçada
do dissenso de perder
o jogo com a carta marcada

Ou pelo menos,
me deixe um esquecimento:
no quarto, uma meia,
um botão de sua camisa,
lápis grafite,
papel rabiscado,
o olhar perdido...
tua vida.



Luciana Amâncio

Para os Mestres, com desrespeito - Alberto da Cunha Melo




Dizem que meu povo
é alegre e pacífico.
Eu digo que meu povo
é uma grande força insultada.
Dizem que meu povo
aprendeu com as argilas
e os bons senhores de engenho
a conhecer seu lugar.
Eu digo que meu povo
deve ser respeitado
como qualquer ânsia desconhecida
da natureza.
Dizem que meu povo
não sabe escovar-se
nem escolher seu destino.
Eu digo que meu povo
é uma pedra inflamada
rolando e crescendo
do interior para o mar.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013












Saudade...
Tu estavas tão distante
Apenas via de longe o teu mar...

Mas hoje,
Caminhando na areia de tuas praias,
Tuas ondas me puxaram
E tua correnteza tomou conta de mim...

Saudade,
Hoje estás tão perto
Pertinho como nunca antes estivera...

E me envolvestes,
Sem permissão,
Num abraço eterno de lembranças...


Larissa Veloso Assunção

Divagações Sobre o Mesmo Medo - Alberto da Cunha Melo




O medo cria músculos
e sólidos ossos
nas nuvens do céu.
O medo aumenta o perigo
e diminui os homens.

Chuva de Caju - Joaquim Cardozo.




















Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria.

Pitangas na Biblioteca - Alberto da Cunha Melo.




A Carlos Alberto de Azevedo


Tem a cabeça na almofada
e o livro nas mãos (vai deixá-lo).
Daqui a pouco voltará
à Grande Estante, ali tão perto.

Como se isso fosse possível,
vai devolver o fruto à árvore,
por ser difícil devorá-lo
comodamente, no sofá.

Os volumes de cascas grossas
e de almas volumosas, não;
que é preciso subir na escada
alta e magra, para alcançá-los.

E retira da prateleira
(mais baixa) o mais frouxo exemplar,
como quem tira uma pitanga
que se pode colher com a boca.

Volta a repousar a cabeça
na almofada cheia de brisa,
para ruminar o miolo
do zero, o miolo do nada

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Inscrições ao Vivo - Alberto da Cunha Melo




Escreveu sua alegria
assim: "outubro",
e ninguém entendeu.
Ela era simples: ao arroz quente
deu a forma de suas mãos
e o amado achou-o doce,
e o amado nunca o esqueceu.
De pequenos
e constantes gestos
é que se faz
a grande saudação.
Foi assim que as palmeiras
e as crianças
conseguiram crescer
e suportar-nos.

Uma Casa - Alberto Alexandre Martins





















São espessas as paredes

espessa a massa
a areia o cimento

espessa toda a matéria
com que se constrói
uma casa: vigas
de afeto, alimento

as várias espécies
de sustento
pra tudo o que circula
sob o vão das telhas:

pêlos do corpo, amor
bebedeira, esquecimento

espessos os alicerces
de silêncio
em que repousa a casa

Aula de Desenho - Maria Esther Maciel.




Estou lá onde me invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, o papel.

Esboço uma face a régua e compasso:

É falsa. Desfaço o que fiz. 

Retraço o retrato. Evoco o abstrato

Faço da sombra  minha raiz.

Farta de mim, afasto-me

e constato: na arte ou na vida, 

em carne, osso, lápis ou giz

onde estou não é sempre

e o que sou é por um triz.

Prece - Maria Esther Maciel.




Dê-me o esquecimento, meu pai.
Dê-me uma noite sem sombra
ou sobressalto, um sono inteiro
um instante sem rumor.
Dê-me teu silêncio, meu pai.
A solidez das pedras, o rigor das coisas
a solidão sem dor.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Do Blog Duda Brama



















ORAÇÃO DE NATAL
Encerra-se mais um ano em sua vida… 
Quando este ano começou, ele era todo seu. 
Foi colocado em suas mãos… 
Podia fazer dele o que quisesse… 
Era como um Livro em Branco, e nele você podia ter
um poema, um pesadelo, uma blasfêmia, uma oração. 

Podia…
Hoje não pode mais, já não é seu.
É um livro já escrito…
Concluído…
Como um livro que tivesse sido escrito por você, ele um dia lhe será lido, com todos os detalhes, e não poderá corrigi-lo. 
Estará fora de seu alcance.
Portanto…
Antes que termine este ano, reflita, tome seu velho livro e folheie com cuidado…
Deixe passar cada uma das páginas pelas mãos e pela consciência;
Faça o exercício de ler a você mesmo.
Leia tudo…
Aprecie aquelas páginas de sua vida em que usou seu melhor estilo.
Leia também as páginas que gostaria de nunca ter escrito.
Não…
Não tentes arrancá-las.
Seria inútil…
Já estão escritas.
Mas você pode lê-las enquanto escreve o novo livro que será entregue.
Assim, poderá repetir as boas coisas que escreveu, e evitar repetir as ruins.
Para escrever o seu novo livro, você contará novamente com o instrumento do livre arbítrio, e terá, para preencher, toda a imensa superfície do seu mundo. 
Se tiver vontade de beijar seu velho livro, beije.
Se tiver vontade de chorar, chore sobre ele e, a seguir, coloque-o nas mãos do Criador.
Não importa como esteja…
Ainda que tenha páginas negras, entregue e diga apenas duas palavras: Obrigado e Perdão!!! 
E, quando o novo ano chegar, lhe será entregue outro livro, novo, limpo, branco, todo seu, no qual irá escrever o que desejar… 

FELIZ LIVRO NOVO ! 
P.S.: Não sei se este foi de Magna Santos ou de João Carlos. Mas está no Blog de Duda Brama: http://dudabrama.com/2010/12/24/entao-e-natal-especial-autor-desconhecido/

Para fazer um soneto - Carlos Pena Filho




Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.

Aí, adote uma atitude avara:
se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.

Se não, procure a cinza e essa vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse.
Antes, deixe levá-lo a correnteza.

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.
 

Limites do Amor - Affonso Romano de Sant'Anna




Condenado estou a te amar
nos meus limites
até que exausta e mais querendo
um amor total, livre das cercas,
te despeça de mim, sofrida,
na direção de outro amor
que pensas ser total e total será
nos seus limites da vida.

O amor não se mede
pela liberdade de se expor nas praças
e bares, em empecilho.
É claro que isto é bom e, às vezes,
sublime.
Mas se ama também de outra forma, incerta,
e este o mistério:

- ilimitado o amor às vezes se limita,
proibido é que o amor às vezes se liberta.
Ele quis morrer para arrasar a morte e voltar.

Carta aos mortos - Affonso Romano de Sant'Anna




Amigos, nada mudou
em essência.
Os salários mal dão para os gastos,
as guerras não terminaram
e há vírus novos e terríveis,
embora o avanço da medicina.
Volta e meia um vizinho
tomba morto por questão de amor.
Há filmes interessantes, é verdade,
e como sempre, mulheres portentosas
nos seduzem com suas bocas e pernas,
mas em matéria de amor
não inventamos nenhuma posição nova.
Alguns cosmonautas ficam no espaço
seis meses ou mais, testando a engrenagem
e a solidão.
Em cada olimpíada há recordes previstos
e nos países, avanços e recuos sociais.
Mas nenhum pássaro mudou seu canto
com a modernidade.

Reencenamos as mesmas tragédias gregas,
relemos o Quixote, e a primavera
chega pontualmente cada ano.

Alguns hábitos, rios e florestas
se perderam.
Ninguém mais coloca cadeiras na calçada
ou toma a fresca da tarde,
mas temos máquinas velocíssimas
que nos dispensam de pensar.

Sobre o desaparecimento dos dinossauros
e a formação das galáxias
não avançamos nada.
Roupas vão e voltam com as modas.
Governos fortes caem, outros se levantam,
países se dividem
e as formigas e abelhas continuam
fiéis ao seu trabalho.

Nada mudou em essência.

Cantamos parabéns nas festas,
discutimos futebol na esquina
morremos em estúpidos desastres
e volta e meia
um de nós olha o céu quando estrelado
com o mesmo pasmo das cavernas.
E cada geração, insolente,
continua a achar
que vive no ápice da história.