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domingo, 28 de fevereiro de 2016

O HOMEM QUE AMAVA OS CACHORROS - UMA JORNADA PELA HISTÓRIA POLÍTICA DO SÉCULO XX
O título do livro faz referência ao trecho em que o personagem e narrador Iván -
um escritor desiludido que vive em Cuba, país que passa por dificuldades
econômicas com o fim da ajuda da União Soviética, e às voltas com seus próprios
dramas pessoais - em um de seus passeios pela praia, chama sua atenção um
homem misterioso que costuma passear com seus cachorros da raça borzói, uma
raça de galgos russos que Iván conhecia bem por trabalhar em uma clínica
veterinária. Acaba por isto travando uma certa amizade com esse homem.


Um ótimo romance histórico que mistura ficção e realidade, considerado o
melhor de 2013, ano de seu lançamento. O livro narra os acontecimentos que
culminaram com o assassinato de Leon Trotsky à mando de Josef Stálin,
secretário-geral do Comité Central do Partido Comunista da URSS, relatando ao
mesmo tempo a história de Trotsky e de seu assassino, o espanhol Ramón
Mercader, um militante recrutado pela NKVD da antiga União Soviética, mais
exatamente na tradução para o português, como Comissariado do Povo para
Assuntos Internos. É possível no romance observar, ou melhor, confirmar o
caráter personalista e tirano de Stálin.

Além de expor a complexidade humana dos personagens, o livro nos apresenta
um retrato de época que torna possível o entendimento acerca de eventos
políticos que marcaram o século, e como certos acontecimentos podem levar
à outros, trágicos ou não. Mas seu grande mérito é a reflexão sobre uma geração,
que sem se dar conta naquele momento da história, teve sua alma aniquilada e
sua individualidade massacrada por uma utopia desvirtuada pelos donos do poder.



Guerra Civil Espanhola

O cenário político mundial naqueles tempos era bastante conturbado, o mundo
havia recém saído da primeira grande guerra e a Alemanha sofrera uma derrota
humilhante que a deixara com a economia em frangalhos, o que estava facilitando
a ascensão de Adolf Hitler. Hitler então fingia ser aliado dos comunistas, e Trotsky
via com preocupação a subida dele ao poder, sabia no que isto iria dar. Seus
temores se confirmaram quando mais tarde os comunistas alemães passaram
também a ser alvos da perseguição nazista. As democracias ocidentais pareciam
desprezar a capacidade retórica de Hitler e suas doentias ambições expansionistas,
e foram omissas ao não intervirem na ocupação da Tchecoslováquia pelos nazistas.
Mais tarde, Stálin e Hitler assinariam um pacto de não agressão com pontos
obscuros, acordo que Hitler descumpriu ao invadir de surpresa a União Soviética
em 1941. A Espanha passava por uma violenta guerra civil, fortemente dividida
entre forças nacionalistas e fascistas, e a base do governo republicano espanhol
representado pelos sindicatos, partidos de esquerda e partidários da democracia.
Naquela época, após a vitória da revolução bolchevique na Rússia, havia no mundo
uma rigorosa divisão entre direita e esquerda, mas em nenhum outro lugar como
na Espanha a própria esquerda estava tão fragmentada.

Depois da revolução de 1917, após a eliminação da autocracia e do governo
provisório, a Rússia passou por um período de reorganização social e política, mas
com a morte de Lênin em 1924 o partido Comunista ficou dividido, Josef Stálin
tornou-se o novo secretário-geral, havia conseguido com habilidade e artimanha
que Trotsky fosse expulso do Partido, e governaria a União soviética por 30 anos.
O principal ponto divergente entre eles era sobre os rumos que a revolução deveria
tomar a partir de então. Enquanto Trotsky tinha pretensões de estendê-la por toda
a Europa e criticava a burocracia stalinista, Stálin achava que deveria permanecer
limitada ao bloco de países soviéticos. Trotsky passara então de grande condutor
da revolução de 17 a um contra-revolucionário traidor, chegando ao extremo de
ser considerado um aliado dos fascistas. Um inimigo útil para o jogo político de
Stálin, enquanto fosse de seu interesse. O próprio Trotsky já no exílio, reconhece
que havia subestimado a capacidade de Stalin, um militante sem muita cultura e
um tanto grosseiro, de manipular o Partido. Trotsky em seus pensamentos lembra
que devia ter desconfiado daqueles “olhos de réptil”, que tão logo assumiu o poder
passou a reprimir, perseguir e eliminar seus oponentes ou quem ele assim
considerasse, fossem antigos militantes, intelectuais, artistas, ou, trabalhadores,
aqueles mesmos em nome de quem os comunistas diziam ter feito a revolução.
A esquerda em um mundo então dividido entre o fascismo de Hitler e seus aliados
e a suposta salvação pelo comunismo stalinista, estava desorientada, e uma parte
dela acreditava que o regime de governo de Stálin poderia ser o melhor para todos.
Mas na verdade o mundo estava entre dois regimes totalitários protagonizados por
dois tiranos manipuladores, responsáveis pelos maiores crimes contra a
humanidade no século 20, com a única diferença que no caso de Hitler o genocídio
ocorreu durante a guerra e Stálin o praticou em tempos de paz. Para Trotsky o
comunismo começava a cavar sua própria cova.





REVOLUÇÃO RUSSA

Trotsky em suas reflexões no exílio, em flashes de lucidez ou desânimo, chegou a
se perguntar se teria valido a pena tantas mortes, todo sofrimento e sacrifício até
mesmo de sua família em nome de uma causa, mas procurava manter o otimismo
com a firme convicção de que tinha um compromisso com a revolução. Mas
estava cada vez mais isolado.

Em paralelo à narrativa sobre a vida de Trotsky no exílio, surge o personagem de
Ramón Mercader, um jovem revolucionário espanhol cuja as ideias sofriam grande
influência da guerra civil em seu país onde participava como combatente, e de sua
mãe controladora, também uma revolucionária que acreditava que antes da
revolução comunista era preciso ganhar a guerra na Espanha, portanto não
podiam prescindir da ajuda de Moscou nem de servir ao regime de Stálin para o
que fosse necessário. Mercader influenciado por sua mãe, porém muito mais por
uma jovem revolucionária radical por quem era apaixonado e queria impressionar,
acabou aceitando, apesar de certa hesitação no início, uma importante missão que
ele ainda nem sabia qual era. Mas fora avisado que essa missão iria mudar
completamente sua vida. A fé cega em uma ideologia e em um líder que dela
se apropria, tenha essa ideologia a forma que tiver, pode transformar uma pessoa
e fazê-la cometer todo tipo de perversidades acreditando estar no caminho certo.

Fonte: http://lounge.obviousmag.org/

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