AQUI ESTÁ-SE SOSSEGADO
Aqui está-se sossegado,
Longe do mundo e da vida, Cheio de não ter passado, Até o futuro se olvida. Aqui está-se sossegado.
Tinha os gestos inocentes,
Seus olhos riam no fundo. Mas invisíveis serpentes Faziam-na ser do mundo. Tinha os gestos inocentes.
Aqui tudo é paz e mar.
Que longe a vista se perde Na solidão a tornar Em sombra o azul que é verde! Aqui tudo é paz e mar.
Sim, poderia ter sido...
Mas vontade nem razão O mundo têm conduzido A prazer ou conclusão. Sim, poderia ter sido...
Agora não esqueço e sonho.
Fecho os olhos, oiço o mar E de ouvi-lo bem, suponho Que veio azul a esverdear. Agora não esqueço e sonho.
Não foi propósito, não.
Os seus gestos inocentes Tocavam no coração Como invisíveis serpentes. Não foi propósito, não.
Durmo, desperto e sozinho.
Que tem sido a minha vida? Velas de inútil moinho — Um movimento sem lida... Durmo, desperto e sozinho.
Nada explica nem consola.
Tudo está certo depois. Mas a dor que nos desola, A mágoa de um não ser dois Nada explica nem consola.
Fernando Pessoa
in "Poesias Inéditas"
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"Se a gente cresce com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves na alma." - Cora Coralina
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sábado, 20 de fevereiro de 2016
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