ETIMOLOGIA
POÉTICA
Publicado em recortes por Lucas Neves
Falamos e escrevemos todos os dias, o
tempo todo.
Temos consciência do significado dos
termos que
usamos, mas será que eles sempre foram
assim?
Como surgiram? Que carga de conteúdo,
história
e cultura cada palavra carrega consigo?
Garanto que muitas são admiráveis.
Delicie-se!
Pelo o que sabemos até então, o ser
humano é o único animal que dá nome às coisas. Sentimos essa necessidade:
nomear. Tudo precisa de um título, de um rótulo, enquadrar-se numa tabela.
Isso, às vezes, é doentio; entretanto, geralmente é fruto de um medo comum e
supremo: o medo do desconhecido. Ao nomear algo estranho, tornamo-nos mais
íntimos dele. A coisa que antes assustava agora é comum, tem nome, significado
e, finalmente, podemos encará-la.
Ah, é aí que
eu queria chegar: significado. Vamos adquirindo a linguagem ao longo da infância,
decorando nomes, aprendendo termos. Não questionamos muito, apenas tomamos
conhecimento de que a palavra X tem um significado alheio a todas as outras,
mas pode assemelhar-se com a palavra Y em certos aspectos. Dizendo assim,
parece complexo, mas fazemos isso desde que nos conhecemos por gente. A questão
é: quem nomeou tudo? Que trabalho magnífico essa pessoa fez! Saiu por aí, com
um bloquinho, dando nomes a cada elemento que viu pela frente. Fantástico! Ora,
claro que não foi assim. Vamos ver...
Tem um livro
famoso, um grande best-seller, que circula por este planeta há
alguns séculos, você deve conhecer, é a Bíblia. Nesse livro diz que, em
determinando momento da história humana, nossa espécie resolveu construir uma
torre para chegar até o Criador. Boatos de que o Cara não curtiu muito e, como
castigo, confundiu a língua de toda a humanidade que, até então, falava um
único idioma. Devo expressar um pensamento aqui, não consigo contê-lo: ou
fizemos do limão uma grande limonada, ou esse castigo fora um enorme presente.
Brincadeiras à parte, convenhamos que a riqueza de cada idioma torna nosso
mundo fascinante e bem mais agradável, não é?
O idioma é
uma arte! Impressionante a maneira como cada língua do mundo consegue expressar
o mesmo sentimento por palavras diferentes. Alguns termos, às vezes, são
exclusivos de um único idioma, é o caso de saudade, o substantivo
lindo, nosso xodó, só nosso!
O fato é
que, por mais diferentes que as palavras pareçam, elas seguem um padrão, um
modelo. Esses modelos são como formas, que vão sobrevivendo por séculos,
perdendo a transparência, o significado evidente, mas carregando para toda a
eternidade uma raiz elucidativa, uma palavra mãe. Acho que este é um bom
momento para conhecermos algumas mães de nosso fascinante idioma.
Etimologia é
o estudo (lê-se: arte) da origem das palavras, sabemos. É evidente que cada
palavra tem uma origem e eu, por não ser um dicionário etimológico, não vou
ficar aqui citando uma por uma. Falaremos sobre as que mais me tocam, aquelas
que me fizeram sorrir. Sei que estou baseando tudo no meu ponto de vista, mas
você pode discordar à vontade. Discorde. Discordância. Discórdia. Acho que
começamos bem...
Em Latim, cor significa
"coração". Num caso específico da língua, essa palavra pode aparecer
como cordis, significando "de coração". Já cum,
em Latim, dá a ideia de união, junto de algo. Logo, cum + cordis resultou
um concordar, unir corações. Entrar em concordância com alguém é,
etimologicamente falando, unir dois corações a uma só ideia. O prefixo des,
personagem marcante no nosso português, fornece a ideia de separação, negação.
Sendo assim, discordar de algo é separar corações.
Aproveitando o gancho, saber algo "de cor" é saber de coração, em
inglês é mais evidente, pois a expressão by heart é muito mais
clara. Por essas raízes também temos cordial, concórdia, etc...
Não gostou?
Não saia reclamando ainda, acalme-se! Me respeite. Respeito. Respeito é bom,
disso todos sabemos, mas também tem uma origem bacana. O verbo latino spectare,
significa assistir, ver, olhar, daí temos espectador, por exemplo. O prefixo re concede
a noção de repetição, como, por exemplo, em refazer e reler. Nesse caso, re
+ spectare originou respeito, palavra que diz,
basicamente, "olhar de novo". É mais legal do que parece, juro. Ter
respeito por alguém é considerar a opinião dessa pessoa, é querer evitar o
sofrimento e a desaprovação dela. Por isso olhar duas vezes,
respeitar é considerar a existência, parar um pouco antes de qualquer atitude
para rever aquilo que consideramos. Definitivamente,
precisamos disso, respeito é importante.
Por falar em importante,
vamos a ela. O prefixo in significa dentro, o inglês mantém
essa noção claramente. Há um verbo latino, portare, que possui a
ideia de movimento, levar algo, carregar. Temos, daí, importação e exportação,
por exemplo. Importante então é in + portare, levar/carregar para
dentro. Dar importância para algo é carregar essa coisa dentro de ti, ser
importante para alguém é ser carregado para dentro daquela pessoa. Ser
importante é ser amado, posto que amar é viver no outro.
Aprendendo
algumas palavras, podemos começar a deduzir muitas formações. Deduzir. Induzir.
Traduzir. Agora o verbo é ducere, significa guiar, levar. Induzir
é, portanto, levar por dentro. O prefixo trans significa
"do outro lado", trans + ducere resulta em traduzir,
levar para o outro lado, para outra língua, outra cultura. Esse verbo (ducere)
também dá origem a ducto, viaduto (via significa estrada), etc...
Para fugir
um pouco do Latim, vamos ao indo-europeu, idioma suposto que deu origem a
muitas línguas clássicas. Dessa língua herdamos um radical interessante: greg-,
que significa "rebanho". Já ouviu falar que o ser humano é um ser
gregário? Significa, pois, que andamos em conjunto (cum + junctus). Temos
também a palavra agregar, acrescentar ao rebanho; segregar,
separar do rebanho; e congregar, juntar o rebanho.
Existem
significados que exigem uma pesquisa mais profunda. É o caso do nome do
primeiro mês do ano, janeiro. Chamado assim em homenagem ao deus romano Janus,
que possuía duas faces, enxergava o passado e o futuro ao mesmo tempo. Faz
sentido, pois é o mês no ano em que estamos presos ao ciclo que se encerrou
(passado), mas geralmente otimistas com o que virá pela frente (futuro).
Entre passados e futuros,
vivemos mesmo é no presente, palavra que não precisa de etimologia para ser
poética, pois já traz um sentido esplendoroso. Presente, oferta, dádiva. É o
que temos para hoje e todos os dias. Pois que sigamos vivendo, construindo e
proporcionando a manutenção de nosso idioma e, consequentemente, transformando
nossa história.
© Fonte: obvious: http://obviousmag.org/elucubrado_retumbante/2016/etimologia-poetica.html#ixzz428ge3PZ3
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