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domingo, 20 de dezembro de 2015






















A CASA

Destelho a casa e fecho-me nas salas.
Entro em mim mesmo e em mim estou: andando
pelos meus corredores, que são valas.
Refaço meus mosaicos, empilhados
junto às paredes, em que estalam febres,
e em que procuro as portas deslocadas.
Subo e desço no escuro estas escadas
que dão aos meus porões, ora entulhados
com lixo e com raízes. E entretanto
vou rever as colunas, e o orvalho
acumulado sobre as folhas, cujas
nervuras reconheço talho a talho.
E reencontro os castiçais molhados
postos sob a ramagem, e estes ares
que são da noite, e dormem. E revejo
o verde escuro e triste dos veludos
e dos musgos, e o azul vitrificado
que vem dos sonhos mortos, repassados.
Apoio-me a parede, úmida e antiga,
que reconstruo com esforço, e escondo
debaixo de uma pedra um grão de sonho.
Assumo e sofro o chão em que o deponho
depondo-me também, sobre os batentes
que pesam como sombras, entre as sombras
que fariam as árvores ausentes.
Assumo e sou a casa e o sonho, e abarco,
no sonho inabitável que me habita,
os encaixes, os vidros, os ferrolhos,
forros e pisos, onde andaram passos
de vida e morte, e onde escoaram dias
ora também passados para sempre.

Nelson Saldanha.

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