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sábado, 12 de dezembro de 2015




























Os Rubaiyat de Omar Khayyam
versão em português de Afredo Braga

Nunca murmurei uma prece,
nem escondi os meus pecados.
Ignoro se existe uma Justiça, ou Misericórdia;
mas não desespero: sou um homem sincero.

O que vale mais? Meditar numa taverna,
ou prosternado na mesquita implorar o Céu?
Não sei se temos um Senhor,
nem que destino me reservou.

Olha com indulgência aqueles que se embriagam;
os teus defeitos não são menores.
Se queres paz e serenidade, lembra-te
da dor de tantos outros, e te julgarás feliz.

Que o teu saber não humilhe o teu próximo.
Cuidado, não deixes que a ira te domine.
Se esperas a paz, sorri ao destino que te fere;
não firas ninguém.

Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã.
Apanha um grande copo cheio de vinho,
senta-te ao luar, e pensa:
Talvez amanhã a lua me procure em vão.

Não procures muitos amigos, nem busques prolongar
a simpatia que alguém te inspirou;
antes de apertares a mão que te estendem,
considera se um dia ela não se erguerá contra ti.

Alcorão, o livro supremo, pode ser lido às vezes,
mas ninguém se deleita sempre em suas páginas.
No copo de vinho está gravado um texto de adorável
sabedoria que a boca lê, a cada vez com mais delícia.

Há muito tempo, esta ânfora foi um amante,
como eu: sofria com a indiferença de uma mulher;
a asa curva no gargalo é o braço que enlaçava
os ombros lisos da bem amada.

Que pobre o coração que não sabe amar
e não conhece o delírio da paixão.
Se não amas, que sol pode te aquecer,
ou que lua te consolar?

Hoje os meus anos reflorescem.
Quero o vinho que me dá calor.
Dizes que é amargo? Vinho!
Que seja amargo, como a vida.

É inútil a tua aflição;
nada podes sobre o teu destino.
Se és prudente, toma o que tens à mão.
Amanhã... que sabes do amanhã?

Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti.

Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu remorso será leve como os teus cabelos.

Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos.
Quem irá dizer se terão o Céu ou o Inferno?
Conheces alguém que visitou esses lugares?
E ainda queres encher o mar com pedras?

Na sombra azulada do jardim
o ar da primavera renova as rosas
e ilumina os meigos olhos da minha amada.
Ontem, amanhã... é tão grande o prazer agora.

Bebo, mas não sei quem te fez, ó grande ânfora;
podes conter três medidas de vinho, mas um dia
a Morte te quebrará. Numa outra hora perguntarei
como foste criada, se foste feliz, ou por que serás pó.

Como o rio, ou como o vento,
vão passando os dias.
Há dois dias que me são indiferentes:
O que foi ontem, o que virá amanhã.

Não me lembro do dia em que nasci;
não sei em que dia morrerei.
Vem, minha doce amiga, vamos beber deste copo
e esquecer a nossa incurável ignorância.

Khayyam, enquanto erguias a tenda da Sabedoria,
caíste na fogueira da dor; agora és cinzas.
O Anjo Azrail cortou as cordas da tua tenda
e a Morte vendeu-a por uma ninharia.

É inútil te afligires por teres pecado;
também é inútil a tua contrição:
além da morte estará o Nada,
ou a Misericórdia.

Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da súplica.

Na estação das rosas procuro um campo florido
e sento-me à sombra com uma linda mulher;
não cuido da minha salvação: tomo o vinho
que ela me oferece; senão, o que valeria eu?

O vasto mundo: um grão de areia no espaço.
A ciência dos homens: palavras. Os povos,
os animais, as flores dos sete climas: sombras.
O profundo resultado da tua meditação: nada.

Eu estava com sono e a Sabedoria me disse:
A rosa da felicidade não se abre para quem dorme;
por quê te entregares a esse irmão da morte?
Bebe vinho; tens tantos séculos para dormir.

Admito que já resolveste o enigma da Criação;
e o teu destino? Aceito que desvendaste a Verdade;
e o teu destino? Está bem, viveste cem anos felizes
e ainda tens muitos para viver; e o teu destino?

Ninguém desvendará o Mistério. Nunca saberemos
o que se oculta por trás das aparências.
As nossas moradas são provisórias, menos aquela última.
Não vamos falar, toma o teu vinho.

(Trecho)
Fonte: http://blogdoitarcio2.blogspot.com.br/

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