Os
Rubaiyat de Omar Khayyam
versão
em português de Afredo Braga
Nunca
murmurei uma prece,
nem
escondi os meus pecados.
Ignoro
se existe uma Justiça, ou Misericórdia;
mas não
desespero: sou um homem sincero.
O que
vale mais? Meditar numa taverna,
ou
prosternado na mesquita implorar o Céu?
Não sei
se temos um Senhor,
nem que
destino me reservou.
Olha
com indulgência aqueles que se embriagam;
os teus
defeitos não são menores.
Se
queres paz e serenidade, lembra-te
da dor
de tantos outros, e te julgarás feliz.
Que o
teu saber não humilhe o teu próximo.
Cuidado,
não deixes que a ira te domine.
Se
esperas a paz, sorri ao destino que te fere;
não
firas ninguém.
Busca a
felicidade agora, não sabes de amanhã.
Apanha
um grande copo cheio de vinho,
senta-te
ao luar, e pensa:
Talvez
amanhã a lua me procure em vão.
Não
procures muitos amigos, nem busques prolongar
a
simpatia que alguém te inspirou;
antes
de apertares a mão que te estendem,
considera
se um dia ela não se erguerá contra ti.
Alcorão,
o livro supremo, pode ser lido às vezes,
mas
ninguém se deleita sempre em suas páginas.
No copo
de vinho está gravado um texto de adorável
sabedoria
que a boca lê, a cada vez com mais delícia.
Há
muito tempo, esta ânfora foi um amante,
como
eu: sofria com a indiferença de uma mulher;
a asa
curva no gargalo é o braço que enlaçava
os
ombros lisos da bem amada.
Que
pobre o coração que não sabe amar
e não
conhece o delírio da paixão.
Se não
amas, que sol pode te aquecer,
ou que
lua te consolar?
Hoje os
meus anos reflorescem.
Quero o
vinho que me dá calor.
Dizes
que é amargo? Vinho!
Que
seja amargo, como a vida.
É
inútil a tua aflição;
nada
podes sobre o teu destino.
Se és
prudente, toma o que tens à mão.
Amanhã...
que sabes do amanhã?
Além da
Terra, pelo Infinito,
procurei,
em vão, o Céu e o Inferno.
Depois
uma voz me disse:
Céu e
Inferno estão em ti.
Não
vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua
boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me
vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu
remorso será leve como os teus cabelos.
Tenho
igual desprezo por libertinos ou devotos.
Quem
irá dizer se terão o Céu ou o Inferno?
Conheces
alguém que visitou esses lugares?
E ainda
queres encher o mar com pedras?
Na
sombra azulada do jardim
o ar da
primavera renova as rosas
e
ilumina os meigos olhos da minha amada.
Ontem,
amanhã... é tão grande o prazer agora.
Bebo,
mas não sei quem te fez, ó grande ânfora;
podes
conter três medidas de vinho, mas um dia
a Morte
te quebrará. Numa outra hora perguntarei
como
foste criada, se foste feliz, ou por que serás pó.
Como o
rio, ou como o vento,
vão
passando os dias.
Há dois
dias que me são indiferentes:
O que
foi ontem, o que virá amanhã.
Não me
lembro do dia em que nasci;
não sei
em que dia morrerei.
Vem,
minha doce amiga, vamos beber deste copo
e
esquecer a nossa incurável ignorância.
Khayyam,
enquanto erguias a tenda da Sabedoria,
caíste
na fogueira da dor; agora és cinzas.
O Anjo
Azrail cortou as cordas da tua tenda
e a
Morte vendeu-a por uma ninharia.
É
inútil te afligires por teres pecado;
também
é inútil a tua contrição:
além da
morte estará o Nada,
ou a
Misericórdia.
Cristãos,
judeus, muçulmanos, rezam,
com
medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos
segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas
sementes do medo e da súplica.
Na
estação das rosas procuro um campo florido
e
sento-me à sombra com uma linda mulher;
não
cuido da minha salvação: tomo o vinho
que ela
me oferece; senão, o que valeria eu?
O vasto mundo: um grão de areia
no espaço.
A
ciência dos homens: palavras. Os povos,
os
animais, as flores dos sete climas: sombras.
O
profundo resultado da tua meditação: nada.
Eu
estava com sono e a Sabedoria me disse:
A rosa
da felicidade não se abre para quem dorme;
por quê
te entregares a esse irmão da morte?
Bebe
vinho; tens tantos séculos para dormir.
Admito
que já resolveste o enigma da Criação;
e o teu
destino? Aceito que desvendaste a Verdade;
e o teu
destino? Está bem, viveste cem anos felizes
e ainda
tens muitos para viver; e o teu destino?
Ninguém
desvendará o Mistério. Nunca saberemos
o que
se oculta por trás das aparências.
As
nossas moradas são provisórias, menos aquela última.
Não
vamos falar, toma o teu vinho.(Trecho)
Fonte: http://blogdoitarcio2.blogspot.com.br/
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