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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016






















CHAMADO DO DESEJOSO

Desejoso é aquele que foge de sua mãe.
Despedir-se é lavrar um orvalho para uni-lo à secularidade da saliva.
A profundidade do desejo não está no sequestro do fruto.
Desejoso é deixar de ver sua mãe.
É a ausência do acontecido de um dia que se prolonga
e é na noite que essa ausência vai afundando como um punhal.
Nessa ausência se abre uma torre, nessa torre dança um fogo oco.
E assim se alastra e a ausência da mãe é um mar em calma.
Mas o fugidio não vê o punhal que lhe pergunta,
é da mãe, dos postigos fechados, que ele foge.
O descendido em sangue antigo soa vazio.
O sangue é frio quando desce e quando se espalha circulizado.
A mãe é fria e está perfeita.
Se for por morte seu peso dobra e não mais nos solta.
Não é pelas portas onde assoma nosso abandono.
É por um claro onde a mãe ainda anda, mas já não os segue.
É por um claro, ali se cega e logo nos deixa.
Ai do que não anda esse andar onde a mãe não o segue mais, ai.
Não é desconhecer-se, o conhecer-se segue furioso como em seus dias, mas segui-lo seria o incêndio de dois numa só árvore,
e ela adora olhar a árvore como uma pedra,
como uma pedra com a inscrição de antigos jogos.
Nosso desejo não é pegar ou incorporar um fruto ácido.
O desejo é o fugidio
e das cabeçadas com nossas mães cai o planeta centro de mesa
e de onde fugimos, se não é de nossas mães que fugimos,
que nunca querem recomeçar o mesmo jogo, a mesma
noite de igual ilharga descomunal?

José Lezama Lima
Trad.: Josely Viana Baptista

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